terça-feira, 15 de julho de 2008

A EDUCAÇÃO NO ILUMINISMO

1. Erasmo de Roterdã – O pedagogo humanista

Embora fosse clérigo e profundamente cristão, o filósofo holandês Erasmo de Roterdã (1469-1536) passou para a história por se opor ao domínio da Igreja sobre a educação, a cultura e a ciência. A influência religiosa vigorou praticamente sem contestação durante toda a Idade Média no Ocidente e ainda no tempo de Erasmo era preciso ousadia para ir contra ela. De qualquer modo, ousadia individual fazia parte das atitudes que um número crescente de intelectuais começava a enaltecer no período de transição para a Idade Moderna, entre eles o filósofo holandês. O pensamento nascente defendia a liberação da criatividade e da vontade do ser humano, em oposição ao pensamento escolástico, segundo o qual todas as questões terrenas deviam subordinar-se à religião.
O antropocentrismo - o predomínio do humano sobre o transcendente - era o eixo dessa nova filosofia, que seria posteriormente conhecida sob o nome de humanismo. A palavra deriva da expressão latina studia humanitatis, que se referia ao aprendizado, nas universidades, de poética, retórica, história, ética e filosofia, entre outras disciplinas. Elas eram conhecidas como artes liberais, porque se acreditava que dariam ao ser humano instrumentos para exercer sua liberdade pessoal.
A fonte original de todo humanismo foi a literatura clássica. A época era de redescoberta e reinterpretação da produção cultural da antigüidade greco-romana. O interesse por esse período da história foi acompanhado por uma série de mudanças profundas na vida européia: a revitalização das cidades, a formação de redes de comércio entre centros distantes, a consolidação de uma classe mercantil muito abastada, a criação de bancos e a centralização do poder político em torno de cidades ou de reinos. Tudo isso ocasionou a abertura de brechas na autoridade da Igreja, antes onipresente. Por razões evidentes, esse período histórico de grandes transições ficou conhecido como Renascimento, dando origem a uma produção cultural das mais ricas e fecundas de todos os tempos.
Erasmo se inseria no panorama cultural como um símbolo da nova era. Num tempo em que os papas insuflavam guerras e acumulavam fortunas e o clero dava fartas mostras de ostentação, hipocrisia e arrogância, Erasmo pregou a volta aos valores cristãos originais, a começar pela paz. Sua obra mais célebre, O Elogio da Loucura, é uma sátira à inversão de valores que detectava na sociedade de seu tempo. A moralidade estava no centro das preocupações do filósofo e deveria, de acordo com ele, ser a fonte e o objetivo final da educação.
Cultivo simultâneo do corpo e do espírito; procura da harmonia e do equilíbrio; elogio da vida ativa; busca do realismo, em todas as dimensões (incluindo as negativas e abjetas); e surgimento do conceito de dignidade do ser humano. Todos esses pilares humanistas, aliados aos investimentos materiais de comerciantes e nobres, deram às artes - mais especificamente à literatura e às artes plásticas - o ponto de convergência dos interesses do humanismo. A filosofia e a ciência ficaram, até certo ponto, em segundo plano, porque a obra artística passou a ser considerada manifestação filosófica.
Erasmo criticava as escolas de seu tempo, em geral administradas por clérigos que baseavam sua pedagogia em manuais imutáveis, repetições de conceitos e princípios de disciplina com traços de sadismo. O filósofo via nos livros um imenso tesouro cultural, que deveria constituir a base do ensino. Segundo Erasmo, a linguagem era o começo de toda boa educação, já que é sinal da razão humana. Não se trata apenas de alfabetização e leitura, mas de interpretar os textos criticamente, prática que os humanistas e reformadores religiosos introduziram na história da pedagogia. Erasmo acreditava que um bom aprendizado das artes liberais até os 18 anos prepararia o jovem para entender qualquer coisa com facilidade. Como todo humanista, o pensador holandês defendia a possibilidade de chegar à perfeição por via do conhecimento. Para o filósofo, ao ensinar era necessário levar em conta a pouca idade da criança - e por isso cercá-la de cuidados específicos - e também a índole de cada uma.
O programa pedagógico do filósofo era generoso, mas de modo algum democrático. Segundo ele, apenas a instrução religiosa deveria ser para todos, enquanto os estudos das artes liberais estariam restritos aos filhos da elite, que futuramente teriam cargos decisórios.
As críticas de Erasmo ao clero, assim como seu interesse pelos estudos da linguagem, o aproximaram de Martinho Lutero (1483-1546), o monge alemão que deu origem ao protestantismo. Mas o filósofo holandês combatia a idéia de predestinação de Lutero por acreditar firmemente no livre-arbítrio dos seres humanos - todos são capazes de distinguir o bem e o mal. Além disso, sempre pregou o diálogo entre as facções discordantes.
No campo propriamente pedagógico, o interesse de Erasmo pelo conhecimento das línguas antigas semeou o terreno para o estudo do passado, em particular do Novo Testamento e dos primeiros pensadores do cristianismo. A ênfase na história do homem e o estudo do passado ergueram um dos principais pilares da educação moderna. A cultura medieval, ao contrário, se construíra em torno do ideal de intemporalidade.
A então recente invenção da impressora de tipos móveis, pelo alemão Johannes Gutenberg, entusiasmava Erasmo com a promessa de ampla circulação de textos da literatura clássica. Ele via o conhecimento dos livros como alternativa saudável à educação religiosa que recebera. Segundo Erasmo, o ensino que havia conhecido "tentava ensinar humildade destruindo o espírito das crianças".
Outros valores renascentistas, como a exaltação da beleza e do prazer, se encontravam em profusão nos clássicos. Para Erasmo, esses princípios eram mais interessantes do que as abstrações da filosofia escolástica. Além disso, dizia ele, o prazer físico e o bom humor não conflitam com o cristianismo.
Apesar da notoriedade de que desfrutou em vida, Erasmo foi desprezado pelas gerações seguintes. Suas idéias seriam retomadas pelo educador tcheco Comênio.


2. Comênio - O pai da didática moderna

O nome Comênio é o aportuguesamento da assinatura latina (Comenius) de Jan Amos Komensky, (1592-1670) que combateu o sistema medieval, defendeu o ensino de ''tudo para todos'' e foi o primeiro teórico a respeitar a inteligência e os sentimentos da criança
Quando se fala de uma escola em que as crianças são respeitadas como seres humanos dotados de inteligência, aptidões, sentimentos e limites, logo pensamos em concepções modernas de ensino. Também acreditamos que o direito de todas as pessoas — absolutamente todas — à educação é um princípio que só surgiu há algumas dezenas de anos. De fato, essas idéias se consagraram apenas no século XX, e assim mesmo não em todos os lugares do mundo. Mas elas já eram defendidas em pleno século XVII por Comênio.
A obra mais importante de Comênio, Didactica Magna, marca o início da sistematização da pedagogia e da didática no Ocidente. A obra, à qual o autor se dedicou ao longo de sua vida, tinha grande ambição. Ele chama sua didática de 'magna' porque ele não queria uma obra restrita, localizada. Ela tinha de ser grande, como o mundo que estava sendo descoberto naquele momento, com a expansão do comércio e das navegações.
No livro, o pensador realiza uma racionalização de todas as ações educativas, indo da teoria didática até as questões do cotidiano da sala de aula. A prática escolar, para ele, deveria imitar os processos da natureza. Nas relações entre professor e aluno, seriam consideradas as possibilidades e os interesses da criança. O professor passaria a ser visto como um profissional, não um missionário, e seria bem remunerado por isso. E a organização do tempo e do currículo levaria em conta os limites do corpo e a necessidade, tanto dos alunos quanto dos professores, de ter outras atividades.
Comênio era cristão protestante e pertencia ao grupo religioso Irmãos Boêmios, ao qual se manteve vinculado por toda a vida, tornando-se, em 1648, bispo dos morávios. Embora profundamente religioso, o pensador propôs uma ruptura radical com o modelo de escola até então praticado pela Igreja Católica, aquele voltado apenas para a elite e dedicado primordialmente aos estudos abstratos. Ainda vigoravam as doutrinas escolásticas da Idade Média, pelas quais todas as questões teóricas se subordinavam à teologia cristã.
Comênio não foi o único pensador de seu tempo a combater o pedantismo literário e o sadismo pedagógico, mas ousou ser o principal teórico de um modelo de escola que deveria ensinar "tudo a todos", aí incluídos os portadores de deficiência mental e as meninas, na época alijados da educação. Ele defendia o acesso irrestrito à escrita, à leitura e ao cálculo, para que todos pudessem ler a Bíblia e comerciar. Respondia assim a duas urgências de seu tempo: o aparecimento da burguesia mercantil nas cidades européias e o direito, reivindicado pelos protestantes, à livre interpretação dos textos religiosos, proibida pela Igreja Católica.
A obra de Comênio corresponde também a outras novidades, entre elas o despertar de uma nova concepção de criança. Ele a trata em seus livros com muita delicadeza, num tempo em que a escola existia sob a égide da palmatória. A educação era vista e praticada como um castigo e não oferecia elementos para que depois as pessoas se situassem de forma mais ampla na sociedade. Comênio reagiu a esse quadro com uma pergunta: por que não se aprende brincando?
Sob influência de seitas protestantes e do filósofo inglês Francis Bacon (1561-1626), Comênio acreditava que a salvação da alma poderia ser alcançada durante a vida terrena e que o caminho para isso poderia ter a ajuda da ciência. Para ele, a criatura humana correspondia ao ideal de perfeição. Comênio acreditava que, por ser dotado de razão, o homem pode entender a si e a todas as coisas. Portanto deve se dedicar a aprender e a ensinar. Seguindo esse pensamento, Comênio conclui que o mais importante na vida não é a contemplação e sim a ação, o "fazer".
No pensamento humanista do pedagogo tcheco, a instrução e o trabalho diferenciavam o homem burguês do homem feudal. Em sua trajetória, o novo indivíduo deveria imitar a natureza, porque emulando Deus, e respeitando as aptidões de cada um, não haveria possibilidade de erro. De Bacon, Comênio adotou o método empírico de explorar o mundo, em contraposição às verdades impostas do ensino medieval. Pela experimentação, ele acreditava que todos poderiam vir a enxergar a harmonia do universo sob o caos aparente. Ele queria mudar a escola com a didática e a sociedade com a educação.
Comênio viveu a maior parte da vida cercado de guerras. Algumas delas, como a Guerra dos 30 Anos, de protestantes contra católicos, lhe diziam respeito diretamente. Toda sua obra foi marcada profundamente por isso, uma vez que o fim último de seu pensamento era a compreensão universal, que uniria toda a humanidade. Ele perseguiu desde a juventude a unificação da totalidade do conhecimento humano, porque imaginava que ele era finito e imutável. A construção de uma enciclopédia do saber e sua adaptação às capacidades infantis são o grande tema da pedagogia de Comênio, e para sustentá-la ele criou uma base filosófica que denominou "pansofia", a procura de um princípio básico que harmonizasse todo o saber. Ao contrário de seu pensamento educacional, que suscitou interesse pela Europa afora, a pansofia não teve seguidores.


3. Jean-Jacques Rousseau - O filósofo da liberdade como valor supremo.

Na história das idéias, o nome do suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) se liga inevitavelmente à Revolução Francesa. Dos três lemas dos revolucionários liberdade, igualdade e fraternidade , apenas o último não foi objeto de exame profundo na obra do filósofo, e os mais apaixonados líderes da revolta contra o regime monárquico francês, como Robespierre, o admiravam com devoção.
O princípio fundamental de toda a obra de Rousseau, pelo qual ela é definida até os dias atuais, é que o homem é bom por natureza, mas está submetido à influência corruptora da sociedade. Um dos sintomas das falhas da civilização em atingir o bem comum, segundo o pensador, é a desigualdade, que pode ser de dois tipos: a que se deve às características individuais de cada ser humano e aquela causada por circunstâncias sociais. Entre essas causa, Rousseau inclui desde o surgimento do ciúme nas relações amorosas até a institucionalização da propriedade privada como pilar do funcionamento econômico.
O primeiro tipo de desigualdade, para o filósofo, é natural; o segundo deve ser combatido. A desigualdade nociva teria suprimido gradativamente a liberdade dos indivíduos e em seu lugar restaram artifícios como o culto das aparências e as regras de polidez.
Ao renunciar à liberdade, o homem, nas palavras de Rousseau, abre mão da própria qualidade que o define como humano. Ele não está apenas impedido de agir, mas privado do instrumento essencial para a realização do espírito. Para recobrar a liberdade perdida nos descaminhos tomados pela sociedade, o filósofo preconiza um mergulho interior por parte do indivíduo rumo ao autoconhecimento. Mas isso não se dá por meio da razão, e sim da emoção, e traduz-se numa entrega sensorial à natureza.
O pensamento de Rousseau pode ser tomado como uma doutrina individualista ou uma denúncia da falência da civilização, mas não é bem isso. O mito criado pelo filósofo em torno da figura do bom selvagem o ser humano em seu estado natural, não contaminado por constrangimentos sociais deve ser entendido como uma idealização teórica. Além disso, a obra de Rousseau não pretende negar os ganhos da civilização, mas sugerir caminhos para reconduzir a espécie humana à felicidade.
Não basta a via individual. Como a vida em sociedade é inevitável, a melhor maneira de garantir o máximo possível de liberdade para cada um é a democracia, concebida como um regime em que todos se submetem à lei, porque ela foi elaborada de acordo com a vontade geral. Não foi por acaso que Rousseau escolheu publicar simultaneamente, em 1762, suas duas obras principais, Do Contrato Social em que expõe sua concepção de ordem política e Emílio minucioso tratado sobre educação, no qual prescreve o passo-a-passo da formação de um jovem fictício, do nascimento aos 25 anos. O objetivo de Rousseau é tanto formar o homem como o cidadão. A dimensão política é crucial em seus princípios de educação.
Não há escola em Emílio, mas a descrição, em forma vaga de romance, dos primeiros anos de vida de um personagem fictício, filho de um homem rico, entregue a um preceptor para que obtenha uma educação ideal. O jovem Emílio é educado no convívio com a natureza, resguardado ao máximo das coerções sociais. O objetivo de Rousseau, revolucionário para seu tempo, é não só planejar uma educação com vistas à formação futura, na idade adulta, mas também com a intenção de propiciar felicidade à criança enquanto ela ainda é criança.
Rousseau via o jovem como um ser integral, e não uma pessoa incompleta, e intuiu na infância várias fases de desenvolvimento, sobretudo cognitivo. Foi, portanto, um precursor da pedagogia de Maria Montessori (1870-1952) e John Dewey (1859-1952). Ele sistematizou toda uma nova concepção de educação, depois chamada de 'escola nova' e que reúne vários pedagogos dos séculos XIX e XX.
Para Rousseau, a criança devia ser educada sobretudo em liberdade e viver cada fase da infância na plenitude de seus sentidos mesmo porque, segundo seu entendimento, até os 12 anos, o ser humano é praticamente só sentidos, emoções e corpo físico, enquanto a razão ainda se forma. Liberdade não significa a realização de seus impulsos e desejos, mas uma dependência das coisas (em oposição à dependência da vontade dos adultos). "Vosso filho nada deve obter porque pede, mas porque precisa, nem fazer nada por obediência, mas por necessidade", escreveu o filósofo em Emílio.
Um dos objetivos do livro era criticar a educação elitista de seu tempo, que tinha nos padres jesuítas os expoentes. Rousseau condenava em bloco os métodos de ensino utilizados até ali, por se escorarem basicamente na repetição e memorização de conteúdos, e pregava sua substituição pela experiência direta por parte dos alunos, a quem caberia conduzir pelo próprio interesse o aprendizado. Mais do que instruir, no entanto, a educação deveria, para Rousseau, se preocupar com a formação moral e política.
Havia mais desacordo do que harmonia entre Rousseau e os outros pensadores iluministas que inspiraram os ideais da Revolução Francesa (1789). Voltaire (1694-1778), Denis Diderot (1713-1784) e seus pares exaltavam a razão e a cultura acumulada ao longo da história da humanidade, mas Rousseau defendia a primazia da emoção e afirmava que a civilização havia afastado o ser humano da felicidade. Enquanto Diderot organizava a Enciclopédia, que pretendia sistematizar todo o saber do mundo de uma perspectiva iluminista, Rousseau pregava a experiência direta, a simplicidade e a intuição em lugar da erudição embora, mesmo assim, tenha se encarregado do verbete sobre música na obra conjunta dos filósofos das luzes. Também o misticismo os opunha: Rousseau rejeitava o racionalismo ateu e recomendava a religião natural, pela qual cada um deve buscar Deus em si mesmo e na natureza. Com o tempo, as relações entre Rousseau e seus contemporâneos chegou ao conflito aberto. Voltaire fez campanha pública contra ele, divulgando o fato de ter entregue os filhos a adoção. Os seguidores mais fiéis de Rousseau seriam os artistas filiados ao Romantismo. Por meio deles, suas idéias influenciaram profundamente o espírito da época. No Brasil, por exemplo, José de Alencar escorou seus romances indigenistas no mito rousseauniano do bom selvagem.
Rousseau dividiu a vida do jovem e seu livro Emílio em cinco fases: lactância (de 0 a 2 anos), infância (de 2 a 12), adolescência (de 12 a 15), mocidade (de 15 a 20) e início da idade adulta (de 20 a 25). Para a pedagogia, interessam particularmente os três primeiros períodos, para os quais Rousseau desenvolve sua idéia de educação como um processo subordinado à vida, isto é, à evolução natural do discípulo, e por isso chamado de método natural. O objetivo do mestre é interferir o menos possível no desenvolvimento próprio do jovem, em especial até os 12 anos, quando, segundo Rousseau, ele ainda não pode contar com a razão. O filósofo chamou o procedimento de educação negativa, que consiste, em suas palavras, não em ensinar a virtude ou a verdade, mas em preservar o coração do vício e o espírito do erro. Desse modo, quando adulto, o ex-aluno saberá se defender sozinho de tais perigos.
4. J.H. Pestalozzi - O teórico que incorporou o afeto à pedagogia

Para o educador suíço Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827), os sentimentos tinham o poder de despertar o processo de aprendizagem autônoma na criança.
Para a mentalidade contemporânea, amor talvez não seja a primeira palavra que venha à cabeça quando se fala em ciência, método ou teoria. Mas o afeto teve papel central na obra de pensadores que lançaram os fundamentos da pedagogia moderna. Nenhum deles deu mais importância ao amor, em particular ao amor materno, do que Pestalozzi.
Antecipando concepções do movimento da Escola Nova, que só surgiria na virada do século XIX e XX, Pestalozzi afirmava que a função principal do ensino é levar as crianças a desenvolver suas habilidades naturais e inatas. Segundo ele, o amor deflagra o processo de auto-educação. A escola idealizada por Pestalozzi deveria ser não só uma extensão do lar como inspirar-se no ambiente familiar, para oferecer uma atmosfera de segurança e afeto. Ao contrário de muitos de seus contemporâneos, o pensador suíço não concordava totalmente com o elogio da razão humana. Para ele, só o amor tinha força salvadora, capaz de levar o homem à plena realização moral — isto é, encontrar conscientemente, dentro de si, a essência divina que lhe dá liberdade. Pestalozzi chega ao ponto de afirmar que a religiosidade humana nasce da relação afetiva da criança com a mãe, por meio da sensação de providência.
A vida e obra de Pestalozzi estão intimamente ligadas à religião. Cristão devoto e seguidor do protestantismo, ele se preparou para o sacerdócio, mas abandonou a idéia em favor da necessidade de viver junto da natureza e de experimentar suas idéias a respeito da educação. Seu pensamento permaneceu impregnado da crença na manifestação da divindade no ser humano e na caridade, que ele praticou principalmente em favor dos pobres.
A criança, na visão de Pestalozzi, se desenvolve de dentro para fora — idéia oposta à concepção de que a função do ensino é preenchê-la de informação. Para o pensador suíço, um dos cuidados principais do professor deveria ser respeitar os estágios de desenvolvimento pelos quais a criança passa. Dar atenção à sua evolução, às suas aptidões e necessidades, de acordo com as diferentes idades, era, para Pestalozzi, parte de uma missão maior do educador, a de saber ler e imitar a natureza — em que o método pedagógico deveria se inspirar.
Tanto a defesa de uma volta à natureza quanto a construção de novos conceitos de criança, família e instrução a que Pestalozzi se dedicou devem muito a sua leitura do filósofo franco-suíço Jean Jacques Rousseau nome central do pensamento iluminista. Ambos consideravam o ser humano de seu tempo excessivamente cerceado por convenções sociais e influências do meio, distanciado de sua índole original — que seria essencialmente boa para Rousseau e potencialmente fértil, mas egoísta e submissa aos sentidos, para Pestalozzi.
A criança, na concepção de Pestalozzi, era um ser puro, bom em sua essência e possuidor de uma natureza divina que deveria ser cultivada e descoberta para atingir a plenitude. O pensador suíço costumava comparar o ofício do professor ao do jardineiro, que devia providenciar as melhores condições externas para que as plantas seguissem seu desenvolvimento natural. Ele gostava de lembrar que a semente traz em si o "projeto" da árvore toda.
Desse modo, o aprendizado seria, em grande parte, conduzido pelo próprio aluno, com base na experimentação prática e na vivência intelectual, sensorial e emocional do conhecimento. É a idéia do "aprender fazendo", amplamente incorporada pela maioria das escolas pedagógicas posteriores a Pestalozzi. O método deveria partir do conhecido para o novo e do concreto para o abstrato, com ênfase na ação e na percepção dos objetos, mais do que nas palavras. O que importava não era tanto o conteúdo, mas o desenvolvimento das habilidades e dos valores.
Embora durante a maior parte de sua vida Pestalozzi tenha escolhido viver em relativo isolamento, com a mulher e um filho que morreu aos 31 anos, ele nunca se alienou dos acontecimentos de sua época — chamada pelo historiador britânico Eric Hobsbawn de "Era das Revoluções". Na juventude, Pestalozzi militou num grupo que defendia a moralização da política suíça.
Mais tarde, por simpatizar com o pensamento liberal e republicano, se alinhou aos defensores da Revolução Francesa. Em 1798, os franceses, em apoio aos republicanos suíços, passaram a sufocar os focos de resistência à nova ordem no país vizinho, e levaram à frente um massacre na cidade de Stans. Pestalozzi, embora chocado com os acontecimentos, atendeu à convocação do governo e montou uma escola para os órfãos da batalha, que acabou sendo uma de suas experiências pedagógicas mais produtivas.
Pestalozzi não foi um iluminista típico, até por ser religioso demais para isso. Por outro lado, a importância que dava à vivência e à experimentação aproximam seu trabalho de um pioneiro enfoque científico para a educação, num reflexo da defesa da razão que caracterizou o "século das luzes". "A arte da educação deve ser cultivada em todos os aspectos, para se tornar uma ciência construída a partir do conhecimento profundo da natureza humana", escreveu Pestalozzi. Ainda como parte de uma abordagem científica da instrução, ele defendia formação específica para os professores.
O objetivo final do aprendizado deveria ser uma formação também tripla: intelectual, física e moral. E o método de estudo deveria reduzir-se a seus três elementos mais simples: som, forma e número. Só depois da percepção viria a linguagem. Com os instrumentos adquiridos desse modo, o estudante teria condições de encontrar em si mesmo liberdade e autonomia moral. Como alcançar esse objetivo dependia de uma trajetória íntima, Pestalozzi não acreditava em julgamento externo. Por isso, em suas escolas não havia notas ou provas, castigos ou recompensas, numa época em que chicotear os alunos era comum. A disciplina exterior, na escola de Pestalozzi, era substituída pelo cultivo da disciplina interior, essencial à moral protestante.

5. J. F. Herbart - O primeiro a ver a pedagogia como ciência

Com o filósofo alemão Johann Friedrich Herbart (1776-1841), a pedagogia foi formulada pela primeira vez como uma ciência, sobriamente organizada, abrangente e sistemática, com fins claros e meios definidos. A estrutura teórica construída por Herbart se baseia numa filosofia do funcionamento da mente, o que a torna duplamente pioneira: não só por seu caráter científico mas também por adotar a psicologia aplicada como eixo central da educação. Desde então, e até os dias de hoje, o pensamento pedagógico se vincula fortemente às teorias de aprendizagem e à psicologia do desenvolvimento — um exemplo é a obra do suíço Jean Piaget (1896-1980).
Para Herbart, a mente funciona com base em representações — que podem ser imagens, idéias ou qualquer outro tipo de manifestação psíquica isolada. O filósofo negava a existência de faculdades inatas. A dinâmica da mente estaria nas relações entre essas representações, que nem sempre são conscientes. Elas podem se combinar e produzir resultados manifestos ou entrar em conflito entre si e permanecer, em forma latente, numa espécie de domínio do inconsciente. A descrição desse processo viria, muitos anos depois, a influenciar a teoria psicanalítica de Sigmund Freud (1856-1939).
Uma das contribuições mais duradouras de Herbart para a educação é o princípio de que a doutrina pedagógica, para ser realmente científica, precisa comprovar-se experimentalmente — uma idéia do filósofo Immanuel Kant (1724-1804) que ele desenvolveu. Surgiram daí as escolas de aplicação, que conhecemos até hoje. Elas respondem à necessidade de alimentar a teoria com a prática e vice-versa, num processo de atualização e aperfeiçoamento constantes. Herbart fez um trabalho de grande influência porque aprofundou suas concepções até as últimas conseqüências.
Na teoria herbartiana, memória, sentimentos e desejos são apenas modificações das representações mentais. Agir sobre elas, portanto, significa influenciar em todas as esferas da vida de uma pessoa. Desse modo, Herbart criou uma teoria da educação que pretende interferir diretamente nos processos mentais do estudante como meio de orientar sua formação.
Embora profundamente intelectualista, a pedagogia herbartiana tem como objetivo maior nem tanto o acúmulo de informações, mas a formação moral do estudante. Por considerar a criança um ser moldado intelectualmente e psiquicamente por forças externas, Herbart dá ênfase primordial ao conceito de instrução. Ela é o instrumento pelo qual se alcançam os objetivos da educação. Para Herbart, só o ignorante comete erros.
A instrução é o elemento central dos três procedimentos que, para Herbart, constituem a ação pedagógica. O primeiro é o que chamou de governo, ou seja, a manutenção da ordem pelo controle do comportamento da criança, uma atribuição inicialmente dos pais e depois dos professores. Trata-se de um conjunto de regras imposto de fora, com o objetivo de manter a criança ocupada. O segundo procedimento é a instrução educativa propriamente dita e seu motor é o interesse, que deve ser múltiplo, variado e harmonicamente repartido. O terceiro é a disciplina, que tem a função de preservar a vontade no caminho da virtude. Nessa etapa se fortalece a autodeterminação como pré-requisito da formação do caráter. Ao contrário do governo, consiste em um processo interno do aluno.
Muitas das contribuições de Herbart para a psicologia e a pedagogia continuam valiosas, mas seu pensamento e a prática que dele se originou no século XIX se tornaram ultrapassados, sobretudo com o aparecimento do movimento da escola ativa. Seu principal representante, o norte-americano John Dewey (1859-1952), fez duras críticas à doutrina herbartiana. A pedagogia contemporânea tornou o aluno sujeito do ensino e substituiu o individualismo do século XVIII por uma visão mais complexa dos fatores envolvidos no trabalho de ensinar. Hoje, admite-se no plano teórico que a mente humana é originalmente ativa, enquanto na prática, no Brasil, ainda se costuma despejar conhecimento sobre o aluno, como queria Herbart.


6. Friedrich Froebel - O educador das crianças pequenas

O alemão Friedrich Froebel (1782-1852) foi um dos primeiros educadores a considerar o início da infância como uma fase de importância decisiva na formação das pessoas - idéia hoje consagrada pela psicologia, ciência da qual foi precursor. Froebel viveu em uma época de mudança de concepções sobre as crianças (leia na página 60) e esteve à frente desse processo na área pedagógica, como fundador dos jardins-de-infância, para menores de 8 anos. O nome reflete um princípio que Froebel compartilhava com outros pensadores de seu tempo: o de que a criança é como uma planta em sua fase de formação, que exige cuidados periódicos para que cresça de modo saudável. Ele procurava na infância o elo que igualaria todos os homens, sua essência boa e divina ainda não corrompida pelo convívio social.
As técnicas utilizadas até hoje em Educação Infantil devem muito a Froebel. Para ele, as brincadeiras são o primeiro recurso no caminho rumo à aprendizagem. Não são apenas diversão, mas um modo de criar representações do mundo concreto com a finalidade de entendê-lo. Com base na observação das atividades dos pequenos com jogos e brinquedos, Froebel foi um dos primeiros pedagogos a falar em auto-educação, um conceito que só se difundiria no início do século 20, graças ao movimento da Escola Nova, de Maria Montessori (1870-1952) e Célestin Freinet (1896-1966), entre outros.
Por meio de brinquedos que desenvolveu depois de analisar crianças de diferentes idades, Froebel previu uma educação que ao mesmo tempo permite o treino de habilidades que elas já possuem e o surgimento de novas. Dessa forma seria possível aos alunos exteriorizar seu interior e interiorizar as novidades vindas de fora - um dos princípios do aprendizado, segundo o pensador.
Ao mesmo tempo que pensou sobre a prática escolar, ele se dedicou a criar um sistema filosófico para lhe dar sustentação. Para Froebel, a natureza era a manifestação de Deus no mundo terreno e expressava a unidade de todas as coisas. Da unidade absoluta em Deus decorria uma lei da unidade dos contrários. Isso tudo levava ao princípio de que a educação deveria trabalhar os conceitos de unidade e harmonia, pelos quais as crianças alcançariam a própria identidade e sua ligação com o eterno. A importância do autoconhecimento não se limitava à esfera individual, mas seria ainda um meio de tornar melhor a vida em sociedade.
Além do misticismo e da unidade, a natureza continha, de acordo com Froebel, um sistema de símbolos conferido por Deus. Era necessário desvendar tais símbolos para conhecer o que é o espírito divino e como ele se manifesta no mundo. A criança, segundo o educador, trazia também em si uma semente divina de tudo o que há de melhor no ser humano. Cabia à educação, a partir dos primeiros anos de vida, desenvolver esse germe e não deixar que se perdesse.
Froebel considerava a Educação Infantil indispensável para a formação da criança - e essa idéia foi aceita por grande parte dos teóricos da educação que vieram depois dele. O objetivo das atividades nos jardins-de-infância era possibilitar brincadeiras criativas. As atividades e o material escolar eram determinados de antemão, para oferecer o máximo de oportunidades de tirar proveito educativo da atividade lúdica. Froebel desenhou círculos, esferas, cubos e outros objetos que tinham por objetivo estimular o aprendizado. Eles eram feitos de material macio e manipulável, geralmente com partes desmontáveis. As brincadeiras eram acompanhadas de músicas, versos e dança. Os objetos criados por Froebel eram chamados de "dons" ou "presentes" e havia regras para usá-los, que precisariam ser dominadas para garantir o aproveitamento pedagógico. As brincadeiras previstas por Froebel eram, quase sempre, ao ar livre para que a turma interagisse com o ambiente. Todos os jogos que envolviam os 'dons' começavam com as pessoas formando círculos, movendo-se e cantando, pois assim conseguiam atingir a perfeita unidade. Para Froebel, era importante acostumar as crianças aos trabalhos manuais. A atividade dos sentidos e do corpo despertariam o germe do trabalho, que, segundo o educador alemão, seria uma imitação da criação do universo por Deus.
O caminho para isso seria deixar a criança livre para expressar seu interior e perseguir seus interesses. Froebel adotava, assim, a idéia contemporânea do "aprender a aprender". Para ele, a educação se desenvolve espontaneamente. Quanto mais ativa é a mente da criança, mais ela é receptiva a novos conhecimentos. O ponto de partida do ensino seriam os sentidos e o contato que eles criam com o mundo. Portanto, a educação teria como fundamento a percepção, da maneira como ela ocorre naturalmente nos pequenos. Isso não quer dizer que ele descartasse totalmente o ensino diretivo, visto como um recurso legítimo caso o aluno não apresentasse o desenvolvimento esperado. De modo geral, no entanto, sua pedagogia pode ser considerada como defensora da liberdade.
O educador acreditava que as crianças trazem consigo uma metodologia natural que as leva a aprender de acordo com seus interesses e por meio de atividade prática. Ele combatia o excesso de abstração da educação de seu tempo argumentando que ele afastava os alunos do aprendizado. Na primeira infância, dizia, o importante é trabalhar a percepção e a aquisição da linguagem. No período propriamente escolar, seria a vez de religião, ciências naturais, matemática, linguagem e artes.
Froebel defendia a educação sem imposições às crianças porque, segundo sua teoria, elas passam por diferentes estágios de capacidade de aprendizado, com características específicas, antecipando as idéias do suíço Jean Piaget (1896-1980). Froebel detectou três estágios: primeira infância, infância e idade escolar. Em seus escritos, ele demonstra como a brincadeira e a fala, observadas pelo adulto, permitem apreender o nível de desenvolvimento e a forma de relacionamento infantil com o mundo exterior.
Froebel não fez a separação entre religião e ensino, consagrada atualmente, mas via a educação como uma atividade em que escola e família caminham juntas, outra característica que o aproxima da prática contemporânea.
Duas tendências históricas são essenciais para a compreensão da obra de Froebel. Uma é a valorização da infância, que passou, entre os séculos XVIII e XIX, a ser encarada como uma fase da vida com particularidades bem marcantes e com duração longa (é dessa época também o surgimento do conceito de adolescência). Pouco antes, era comum meninos europeus de 7 anos entrarem para as Forças Armadas. Cerca de um século antes do nascimento de Froebel, tamanha era a mortalidade infantil que a infância não passava de um período de "teste" para candidatos a adultos.
Na Idade Média a idéia de infância simplesmente não existia: as crianças eram adultos à espera de adquirir a estatura "normal". Outra tendência histórica marcante do período em que Froebel viveu foi o individualismo burguês, simbolizado pela figura de Napoleão, que encarnava o ideal do homem que se fez sozinho e se tornou imperador da França.


QUESTÕES PARA REFLEXÃO

1. A maior contribuição de Comênio para a educação dos dias de hoje é a idéia de "trazer a realidade social para a sala de aula, fazendo uso dos meios tecnológicos mais avançados à disposição". De tão fascinado pela invenção da imprensa e pela possibilidade de disseminação de conhecimento que ela representava, Comênio criou a expressão "didacografia" para designar o método universal de ensino que ele pretendia inaugurar. Nos dias de hoje, a tecnologia da informação seria capaz de realizar essa revolução? Qual é sua opinião?

2. John Dewey criticou a teoria herbartiana dizendo que ela previa um "mestre todo-poderoso", encarregado de manipular os processos mentais do aluno por meio da instrução. Para Dewey e a maioria dos pedagogos do século 20, o pensamento de Herbart subestima e até ignora a ação do próprio aluno e sua capacidade de auto-educar-se. Mas não se pode negar que Herbart foi um dos pensadores que mais se interessaram pela psicologia do educando e o modo como ela influi em seu aprendizado. Você considera satisfatório seu conhecimento dos processos psíquicos das crianças em geral e de seus alunos em particular? Se acha que sim, de que modo pode utilizá-lo para aprimorar suas aulas?

3. Froebel chegou a suas conclusões sobre a psicologia infantil observando as brincadeiras e os jogos das crianças. Diante das atividades espontâneas de seus alunos, você já pensou que tem a oportunidade de entender a psicologia de cada um e também de depreender algumas características da faixa etária a que eles pertencem?

segunda-feira, 7 de julho de 2008

A EDUCAÇÃO NO INCÍCIO DOS TEMPOS MODERNOS

1. Reforma e Contra-reforma

Até o final da Idade Média (meados do século XV), todos os cristãos, Ito é, aqueles que seguiam os ensinamentos de Jesus Cristo, permaneceram unidos em torno da autoridade do Papa, o bispo de Roma. Mas, no início da Idade Moderna (século XVI), alguns líderes religiosos passaram a protestar contra o que consideravam abusos da autoridade papal e a não mais obedecer ao Papa, separando-se da Igreja de Roma. Assim, Calvino criou o calvinismo na Suíça, Lutero fundou o luteranismo na Alemanha e Henrique VIII iniciou o movimento anglicano na Inglaterra.

A partir desses fatos, os cristãos dividiram-se em dois grandes grupos opostos: de um lado, os católicos, que permaneceram fiéis à autoridade papal; de outro lado, os protestantes, submetidos a várias autoridades, dependendo de sua orientação.

Mas esse movimento não foi tão simples: houve muitas guerras religiosas – os católicos querendo manter a hegemonia e os protestantes pretendendo aumentar a sua influência - e milhares de pessoas morreram. Ainda nos últimos anos, na Irlanda no Norte, verificaram-se inúmeros conflitos armados entre católicos e protestantes.

Alguns aspectos internos da Igreja contribuíram para a divisão e o surgimento do protestantismo. Os protestantes insurgiram-se contra a venda de indulgências e de cargos feita pela Igreja de Roma, fato que lhe dava características mercantilistas: salvava-se quem tinha dinheiro para comprar indulgências.

Os católicos também viram a necessidade de reformar a Igreja. Desse modo, a Reforma protestante acelerou o movimento de reforma da própria igreja católica, que ficou conhecido como Contra-reforma; esta procurou evitar que católicos se convertessem ao protestantismo, através de várias providências: O concílio de Trento (1545 – 1563); a fundação da Companhia de Jesus por Inácio de Loyola, em 1534; O tribunal da Santa Inquisição.

2. Martinho Lutero - O criador do conceito de educação útil

Martinho Lutero nasceu em 1483 em Eisleben, norte da Alemanha. Seus pais queriam que fosse advogado, mas ele, por conta própria, procurou formação num mosteiro agostiniano em Erfurt. Aos 25 anos, foi para a Universidade de Wittenberg, onde se formou em estudos bíblicos. Numa viagem a Roma, para discutir questões teológicas, ficou escandalizado com os costumes mundanos do clero. Ao voltar, iniciou sua carreira de professor e pregador, sob proteção do príncipe Frederico, o Sábio. Em 1517, Lutero, em protesto contra a venda de indulgências pela Igreja, publicou suas 95 teses teológicas, conquistando notoriedade pública e atenção das autoridades eclesiásticas. Durante os anos seguintes, a tensão só aumentou, até que, em 1521, o papa Leão X publicou sua excomunhão. No mesmo ano, Lutero reafirmou suas convicções perante os governantes alemães, na Dieta (reunião parlamentar) de Worms, de onde saiu como proscrito. Depois de um ano refugiado num castelo, sob a proteção de amigos, Lutero retomou aos poucos a vida religiosa em Wittenberg. Em 1525, casou-se com uma ex-freira, Katherina von Bora. Durante as duas últimas décadas de vida, ganhou crescente prestígio popular, enquanto o apoio dos governantes variava de acordo com as circunstâncias. Em 1546, morreu durante uma visita à cidade natal.

Movido pela indignação e pela discordância com os costumes da Igreja de seu tempo, Lutero foi o responsável pela reforma protestante, que originou uma das três grandes vertentes do cristianismo (ao lado do catolicismo e da Igreja Ortodoxa). O nascimento do protestantismo teve profundas implicações sociais, econômicas e políticas. Na educação, o pensamento de Lutero produziu uma reforma global do sistema de ensino alemão, que inaugurou a escola moderna. Seus reflexos se estenderam pelo Ocidente e chegam aos dias de hoje.

A idéia da escola pública e para todos, organizada em três grandes ciclos (fundamental, médio e superior) e voltada para o saber útil nasce do projeto educacional de Lutero. A distinção clara entre a esfera espiritual e as coisas do mundo propiciou um avanço para o conhecimento e o exercício funcional das coisas práticas. Para Lutero, a educação deveria se libertar das amarras que a prendiam à Igreja e subordinar-se ao Estado. Só assim o ensino poderia atingir todo o povo, nobres e plebeus, ricos e pobres, meninos e meninas. Caberia ao Estado tornar a freqüência à escola obrigatória e cuidar para que todos os seu súditos cumprissem a obrigação de enviar seus filhos à escola.

Tão importante quanto Lutero para a educação foi Philipp Melanchthon (1497-1560), o "preceptor da Alemanha". Durante o período que Lutero passou impedido de se manifestar publicamente, Melanchthon foi o porta-voz da causa reformista e um dos encarregados de reorganizar as igrejas dos principados que haviam aderido ao luteranismo. Esse trabalho resultou no projeto de criação de um sistema de escolas públicas, adotado pelo estado da Saxônia e depois copiado em quase toda a Alemanha. A reforma da instrução era uma das principais reivindicações das camadas mais pobres da população, insatisfeitas com as más condições de vida e com o ensino escasso e ineficaz oferecido pela Igreja. Esses foram alguns dos motivos da revolta armada dos camponeses, sangrentamente reprimida em 1525. Tanto Melanchthon quanto Lutero — que, entre outros princípios avançados para seu tempo, defendiam a educação também para as meninas - viam na instrução um assunto do interesse dos governantes. "A maior força de uma cidade é ter muitos cidadãos instruídos", escreveu Lutero. Para isso, foi criado um sistema que atendia tanto à finalidade de preparar para o trabalho quanto à possibilidade de prosseguir os estudos para elevação cultural. O currículo era fortemente baseado nas ciências humanas, atribuindo importante função formadora ao estudo da História.

A reivindicação pela liberdade de interpretar a Bíblia tornou-se não só um dos pilares da reforma protestante como o princípio fundador do projeto educacional de Lutero, que valorizou a alfabetização e o ensino de línguas — e, mais importante, pregou o acesso de todos a esse conhecimento. Os renovadores religiosos defendiam a formação de uma nova classe de homens cultos, dando origem ao conceito de utilidade social da educação.

Lutero tinha um projeto inovador, mas abominava a possibilidade de se tornar porta-voz de qualquer idéia ou ambição revolucionária. Mesmo assim, o surgimento do protestantismo foi ao encontro dos desejos da classe economicamente emergente de comerciantes, para quem a educação representava uma possibilidade de aceitação e ascendência social. Nas primeiras décadas do século 16, o Sacro Império Romano-Germânico era um mosaico de principados mais ou menos independentes. Os interesses político-econômicos do imperador, da Igreja e dos príncipes emperravam uns aos outros. Os príncipes, menos obrigados ao poder papal do que o imperador, viram em Lutero uma possibilidade de se afirmar politicamente contra a autoridade central e de contestar os direitos da Igreja sobre riquezas que se encontravam em seus territórios.

O fato de Lutero não acreditar que a salvação da alma estivesse vinculada às ações em vida não implicava descaso pelas coisas mundanas. Ao desvincular as esferas do poder espiritual e do poder temporal, Lutero atribuía ao último a responsabilidade de administração da vontade de Deus — por isso a obediência civil seria um dever moral e a rebelião um pecado. A ligação entre os dois mundos é a fé, porque os que crêem são também vocacionados para servir o próximo na sociedade.

A criação de uma rede de ensino público foi planejada pelos reformadores luteranos a pedido de governantes que perceberam a urgência de oferecer instrução ao povo. O interesse dos príncipes era fortalecer seus domínios num tempo de constantes hostilidades entre os Estados. Lutero argumentou que o dinheiro investido em educação seria muito menor do que o gasto com armas e traria benefícios mais profundos.

3. Os jesuítas e a educação
A Companhia de Jesus, portanto, se institui na história com uma missão religiosa. A ação na educação é conseqüência de circunstâncias sociais e políticas do século XVI, época caracterizada por divisão e conflito dentro da Igreja. Sacudida pela Reforma Protestante, ocorrida no século anterior, tomou consciência do abandono espiritual em que se encontrava o povo cristão. Tal constatação levou a Companhia a dar uma resposta aos desafios proporcionados pela Reforma, atuando em três campos, a saber: o primeiro - o serviço ao povo, na defesa e propagação da fé católica. Nesse contexto, os primeiros jesuítas dedicaram-se aos ministérios sacerdotais tradicionais (pregação, confissões, catequese...), junto com novas iniciativas e estratégias pastorais: os Exercícios Espirituais, as Missões Populares, Associações de Leigos, e o uso do teatro na pregação, liturgia e catequese. Inicialmente a educação não era o principal objetivo.
O segundo foi a propagação dos ideais pedagógicos católicos nos territórios desconhecidos. Aproveitando o esforço expansionista dos grandes impérios da época (Espanha e Portugal), os jesuítas se fazem presentes, desde a primeira hora, nos novos mundos que se abrem à atividade missionária.

O terceiro foi a atividade educativa católica e científica da juventude. Imprevista ao nascer a Companhia, essa atividade tornou-se logo a principal tarefa dos jesuítas. A gratuidade do ensino da antiga Companhia favoreceu a expansão dos colégios. A ação pedagógica muda a idéia original de seu fundador. Esta atuação é que nos interessa abordar. A Companhia de Jesus, aliada aos colonizadores, que, pela expansão das fronteiras geográficas, com a descoberta da América e abertura de novas rotas comerciais na Ásia, descentralizam o saber da Europa. Estes fatos, somados com a pedagogia jesuíta, possibilitaram uma revolução no campo das ciências e das letras.

A Companhia de Jesus, passa a ter como tarefa a educação da juventude, pois para eles os adultos já tinham as almas perturbadas, enquanto os jovens poderiam converter-se ao cristianismo. Foi assim que se espalharam pelo mundo, colocando-se a serviço da educação, formando escolas e trazendo para o interior da Igreja Católica novas vocações e sacerdotes das colônias européias de influência católica.

4. Os espaços pedagógicos da Companhia de Jesus

A Reforma Protestante do século XV colaborou, intensamente, para que a Igreja Católica, com receio de perder seu terreno de influência sobre as almas para suas opositoras, as igrejas protestantes, luterana na Alemanha e calvinista na Inglaterra, passasse a investir massivamente na evangelização - cujo instrumento mais poderoso era, sem sombra de dúvida, a educação. Com efeito, o enorme investimento católico no ideal educativo deveu-se não só à cumplicidade que aliava a igreja aos interesses coloniais dos impérios monárquicos, em especial os impérios espanhol e português, através de um projeto de educação que consistia em formar o homem, emancipando-o por meio da razão e da cultura; mas também decorreu, e talvez predominantemente, de um ideal religioso de salvação das almas, especialmente das populações autóctones das colônias européias. É neste contexto que se dá o surgimento dos jesuítas, em que a educação tinha o objetivo de prestar estes serviços à Igreja. A salvação ou educação das almas deve ser entendida, aqui, como o aprendizado religioso dos alunos para sua conversão ao cristianismo católico.

Suas atividades organizavam-se através de três tipos básicos de estabelecimentos. Os locais para a educação, para a catequese e para os retiros; assim "...para a educação, as casas, residências, colégios e seminários; para a catequese, as aldeias missioneiras; para tratamento e retiro, as casas de recuperação ou quintas de repouso... e os hospitais; e para a preparação religiosa, os noviciados, de onde saíram as levas de soldados para seus exércitos."

Os estabelecimentos dos jesuítas recebiam subvenções e concessões da Coroa e esmolas do povo, por isso, em pouco tempo criaram uma sólida base econômica para seu sustento, com fazendas, engenhos e currais. Para atender às suas necessidades, os jesuítas tinham sempre em seus quadros uma grande quantidade de profissionais, mestres-de-obras, arquitetos, engenheiros, pedreiros, entalhadores, oleiros, ferreiros, ourives, marceneiros etc. E dispunham também de grandes escritores, músicos, pintores e escultores.

Onde quer que fossem, os jesuítas ministravam sempre aulas, de catequese, de ler, de escrever e de gramática, em locais que chamavam de casas, pois colégios eram os estabelecimentos que tinham vida econômica própria e do qual dependiam outros, situados nas proximidades.

Nas colônias onde atuavam, não ficavam apenas nas cidades ou vilas principais, embrenhando-se pelos sertões e matas em busca dos índios. Estes eram então reunidos em aldeias de três tipos: as dos Colégios, as de El-Rei e as de Repartição, as que forneciam índios para a própria Companhia, para o rei e para particulares, respectivamente. Havia também as Missões, ou grandes aldeamentos, situadas em terras mais distantes, nos sertões, e nas selvas.

Do ponto de vista arquitetônico, as principais cidades coloniais foram estabelecidas sob o signo de três poderes: o civil, o militar e o religioso. O primeiro, tinha suas representações nos Palácios de Governo, Casas de Câmara e Cadeias; o militar, nas fortificações; o religioso, com suas igrejas, conventos, mosteiros e colégios. No Brasil, por exemplo, ocupou o lugar de maior destaque e suas obras, entre todas, são as mais significativas nos núcleos primitivos das cidades, principalmente no contexto urbano de Salvador.

Os Colégios da Companhia transmitiam aos educandos uma cultura humanística de caráter acentuadamente retórico, atendendo aos interesses da Igreja e às exigências do patriarcado. Assim, os mais importantes intelectuais da Colônia estudaram nestes colégios.

5. O método pedagógico jesuítico - Ratio studiorum

A morte de Inácio, em 31 de julho de 1556, suscita questionamentos com relação à atividade didática dos jesuítas e pouco tempo depois os superiores da Ordem elaboram um documento, publicado em sua última versão em 1599, baseado nas Regras do Colégio Romano, ao qual intitulam Ratio Studiorum - Plano de Estudos, que consta de um "...currículo básico e princípios pedagógicos gerais comuns a todos os colégios da Companhia, é um manual para ajudar os professores e dirigentes na marcha diária dos Colégios. ...uma série de regras ou diretrizes práticas que tratam de assuntos como a direção dos colégios, a formação e distribuição dos professores."

O Ratio Studiorum dos jesuítas, introduzindo e consolidando um "sistema" integrado para seus colégios, criou o primeiro sistema educacional unificado que o mundo conheceu. Neste pequeno esboço do método jesuítico de educação, destacamos alguns elementos que nos ajudam a entender tal pedagogia.

Os protestantes, após a reforma, como já mencionamos, viam a importância da escola e constituíram um método denominado Rationes Studiorum. Seus trabalhos demonstravam que o humanismo poderia ser perfeitamente compatível com um cristianismo militante. Este fato exerce influência nos jesuítas, que, por sua vez, criam assim o seu método para o professor católico, distinguindo-se do protestantismo pelo caráter seletivo obrigatório, em todos os pormenores de horários, programas etc.

A experiência pedagógica dos Jesuítas sintetiza-se num conjunto de normas estratégias, chamado "Ratio Studiorum", que visava à formação integral do homem cristão, de acordo com a fé e a cultura daquele tempo.

Aplicam de forma centralizada o método à escola com uma irradiação impressionante que o procedimento ficou conhecido como "autoritário", sendo a autoridade fundada num conhecimento aprofundado da alma humana e especialmente da psicologia da infância e da adolescência.

A Ratio significa ordem, Studiorum estudos, a ordem dos estudos, ou método de ensino. Suas características principais eram a cooperação hierárquica das pessoas do colégio em todos os níveis; o conhecimento da alma infantil e a compreensão das relações que devem-se estabelecer entre professor e aluno, primeiro como guia, conselheiro ou treinador, mais do que o magister da palavra definitiva. O Ratio indicava: a utilização dos sentimentos de amor-próprio ou emulação - competições educativas entre os alunos.
Tais competições abrangiam o uso dos exercícios coletivos, a divisão das classes em campos opostos, como, por exemplo, entre romanos e cartagineses; no sistema de notas, de recompensa e de distribuição de prêmios ou medalhas. Estas competições (emulações) estimulavam os estudos, como nos diz o Pe. Leonel Franca em sua obra sobre o Ratio: "...a vida é uma concorrência contínua. Desde os prêmios científicos e louros literários até as taças de campeonatos desportivos, desde as condecorações militares até as medalhas das exposições industriais ou agrícolas, todas as atividades do homem que vive em sociedade sentem-lhe o aguilhão poderoso, impulsionador de iniciativas fecundas e benfazejas." A emulação foi e será sempre um dos estímulos mais ativos ao aperfeiçoamento e progresso do homem. Os jesuítas o compreenderam e, com rara felicidade, aplicaram à formação da juventude.

A Orientação aos professores. Cada colégio tinha a sua academia docente, hierarquicamente organizada, onde os professores eram orientados pelos padres, sendo os dirigentes eleitos pelos próprios membros.

Que nos conteúdos fossem enfocadas primeiro as letras latinas e gregas, depois as ciências. Imitação dos antigos praelectio (prae-legere), que significa explicação dos autores ou pré-leitura. O texto do autor deve falar com lábios de carne, transformando o abstrato em concreto, o ditado é ensino morto, o aluno deve ser ouvinte atento do mestre...

A utilização do teatro escolar como recurso pedagógico, a ponta de lança da educação jesuítica, não era jogo nem distração; nele nenhum personagem podia vestir-se de mulher e o seu texto deveria ser interpretado na língua latina, em qualquer parte do mundo. Neste aspecto os franceses violaram a norma, utilizando sua língua pátria na educação.

Sobre o teatro dos jesuítas usado como método pedagógico, Francis Bacon, que também exerceu grande influência em Locke, nos diz:

As declamações teatrais de alunos dos jesuítas fortalecem a memória, educam a vós, apuram a dicção, aprimoram os gestos e as atitudes, inspiram a confiança e o domínio de si, habituam os jovens a enfrentar o olhar das assembléias.

Quanto ao horário, que fossem dadas 5 horas de aula por dia, sendo duas horas e meia de manhã e duas e meia à tarde.

Que a organização da aula deveria estruturar-se como uma pequena sociedade. A pedagogia adquiria conceito de ativa, onde cada estudante tinha uma função a desempenhar;
A unidade de direção, corpo e professores animados nos mesmos princípios, formados na mesma escola, visando aos mesmos fins, empregando os mesmos meios. Eis a unidade e concentração completa e a forma do ratio studiorum.

A preleção como o centro da didática, significando uma explicação antecipada do que o aluno deveria estudar ou uma espécie de programa de estudos.

O ensino religioso como o centro da formação do método. Para eles o homem não é só um animal cujo organismo deve-se desenvolver sadiamente, nem a inteligência, por si só, torna o homem feliz. O ser humano para os jesuítas era um ser com destinos sobrenaturais; daí, uma educação que ignorasse este aspecto não seria uma educação humana. O ensino religioso era obrigatório.

É importante lembrar que a educação do século XVI era totalmente voltada para a formação de uma civilização moldada nos padrões católicos europeus; os jesuítas tinham como base a catequese dentro da escola com os princípios religiosos. Não havia possibilidade de escolha, as disciplinas religiosas eram obrigatórias e com o mesmo peso das outras. O método tinha como orientação filosófica a teoria de Aristóteles e Santo Tomas de Aquino (1227-1274). A filosofia básica era a escolástica teocêntrica, com influência do tomismo, onde a natureza e o homem estavam subordinados aos princípios do Deus de origem judaico-cristã. Assim o Ratio definia de forma clara que em questões de alguma importância não se afaste de Aristóteles... De Santo Tomas, fale sempre...

O princípio norteador do Ratio era global, não havia ainda os ideais pedagógicos dos nacionalismos quando o método foi criado; pretendia uma consciência de homem cristão não apenas nacional, mas universal. No Ratio, a metodologia era entendida como os processos didáticos adotados para a transmissão de conhecimentos, a fim de unificar o sistema de ensino da Ordem. Mesmo assim, não houve um padrão único universal para o trabalho de formação das almas, pois muita coisa teve que se adaptar às circunstâncias culturais de cada povo.

Por fim, ressaltamos que toda a educação dos jesuítas objetivava a educação das almas, entendida como formação do homem para uma vida cristã. Como já visto, este era o princípio básico de toda a elaboração pedagógica expressa em seu método.

Mesmo com tal objetivo doutrinário, o método Ratio Studiorum foi elogiado por René Descartes - ex-aluno dos jesuítas, embora discordando dos conteúdos, já que este autor é considerado um dos precursores das ciências modernas e de teorias que se opunham radicalmente à idéia da Igreja católica sobre as ciências.

O confronto desta concepção, expressa no Ratio, com as ciências modernas possivelmente irá iluminar a evolução do pensamento filosófico da Modernidade. O surgimento do antropocentrismo - a salvação do homem versus salvação da alma - marcará o Iluminismo que, confrontando-se com a concepção teocêntrica que situava a absoluta soberania da natureza e de Deus, irá subordiná-la à inteligência ou à razão expressas nas ciências modernas.

Neste sentido, as palavras de Pedro Maia tentam sintetizar a relação deste método com os conflitos da Modernidade com a seguinte afirmação: O Ratio studiorum foi formulado sob influência da época conhecida como Renascença. O homem da Renascença não é o homem do século XX. Mas os problemas subjacentes da educação são os mesmos: o homem é uma constante e suas faculdades não variam com os séculos... Do século XV à Revolução Francesa, os homens eram devidamente preparados para a vida se estavam bem fundados nas letras, na política e na filosofia. Desde 1800, entretanto, as novas forças de uma verdadeira difusão mundial das ciências e, mais recentemente, dos problemas sociais, exigem uma preparação para além da base lingüística e filosófica.

É importante destacar, aqui, as descobertas científicas de J. Kepler (1571-1638) e Galileu Galilei (1564-1642), que comprovaram que o homem poderia explicar fenômenos até então considerados sagrados, dando início ao poder do homem e sua emancipação para pensar e observar a natureza. O surgimento de novas diretrizes filosóficas, com Descartes, Newton, Locke, Rousseau etc., juntamente com a valorização de novos autores e suas línguas vernáculas, em detrimento dos autores clássicos, vieram conturbar o sistema educacional dos jesuítas e, já no início do século XVIII, começam a decair o prestígio e a aceitação quase mundial da Companhia de Jesus.

A secularização do pensamento, apoiada na razão, assim como a moderna concepção do Estado, que negava a intervenção papal e da Igreja nos assuntos temporais, valorizando a laicização, foram processos que encontraram forte resistência entre os jesuítas, defensores contumazes do poder de tutela da Igreja sobre as atividades do Estado.

Como vimos, a Companhia de Jesus nasceu em meio a uma situação de conflito. Seu fundador queria que fosse um grupo móvel, disponível para acudir as almas nos lugares em que a necessidade fosse maior. Mesmo quando os conflitos entre católicos e protestantes se amenizaram, podemos identificar na história que o surgimento da nova filosofia moderna afetou profundamente os ideais pedagógicos desta instituição.

O surgimento das ciências naturais influencia posteriormente os jesuítas à adaptação do método Ratio Studiorum aos ideais modernos. O período do renascimento da companhia no século XIX já se caracteriza como uma nova filosofia, profundamente influenciada pelos ideais das Luzes, que se estendem até nossos dias, onde o Serviço da fé e promoção da justiça é a expressão mais debatida pelos educadores da Companhia de Jesus que tentam adaptar sua pedagogia aos ideais da modernidade.

6. A educação jesuítica e a idéia de educação para todos

Outro elemento importante que podemos anotar é a relação dos jesuítas com o surgimento da escola pública (escola para todos) no século XVIII. É curioso afirmar, mas parece ser possível pensar que o surgimento da educação para todos tem antecedentes importantes na experiência católica jesuíta. Pode-se então perguntar até que ponto a educação das almas, tal como caracterizamos a finalidade monolítica que perseguia o ensino religioso (em nome da qual todos os demais valores da educação eram excluídos), exerce influência sobre a formação da escola pública? Que conceitos de vida essa educação ajudou a enraizar na formação das populações, particularmente da Europa, e no imaginário religioso? Que contribuições deram com sua escola? Que influências o método de ensino - o Ratio Studiorum - exerceu, e ainda exerce, sobre as relações que as sociedades mantêm com a educação?

A partir dessas indagações, é possível pensar vários aspectos para um estudo destas idéias pedagógicas e as influências da escola católica do período medieval na formação da escola pública dos séculos XVII e XVIII.

Em síntese, dois elementos podem ser citados nesta análise: a educação dos jesuítas aparece como uma corrente de pensamento da escola católica, e sua prática pedagógica possivelmente influenciou os fatos que antecederam o nascimento da escola pública. O outro é a análise das representações, conceitos e noções que fundam a instituição de comportamentos, do método, das finalidades proclamadas de uma escola para salvação das almas, com suas características e contradições.

É neste sentido que a afirmação de Lutero nos permite supor que havia a idéia e uma luta pela concretização de uma instituição pública não confessional, destinada a prover uma educação abrangente para todos os membros da sociedade. Esta idéia nada tem de atual, remontando a um passado bastante distante e desconhecido.

Destarte, não seria demais ousado pensar que, historicamente, o conflito que, no mundo ocidental, divide católicos e protestantes na disputa pela formação ou educação das almas se constitui, especificamente, num eficaz instrumento de promoção da idéia, tanto quanto da realidade, de uma escola entendida como um serviço popular ao público e ao alcance de todos, destituído de influência religiosa e doutrinária, isso já no século XV, e, portanto, muito antes dos teóricos iluministas.

Tal era o sentido que podia adquirir a tarefa de salvação das almas, pois a missão que coube aos jesuítas deve ser considerada como um supremo reconhecimento concedido à Ordem pelo Papa, reservando para estes religiosos, no início do século XVI, o privilégio de educar os homens e de salvar e acompanhar suas almas. Nesta missão, eminentemente espiritual, ganhava relevo tanto o cuidado com os civilizados que, afastando-se do olhar zeloso da igreja, vinham desterrar-se nas novas terras, quanto o projeto de ganhar para a fé os silvícolas, nativos das terras agora dominadas e invadidas.

A análise do conflito que opõe o Iluminismo à prática jesuítica - percurso que poderia ser definido como o deslocamento da noção de salvação das almas em benefício de um ideal de salvação do homem -, nas relações de oposição entre estes dois termos, tanto quanto nas influências que o primeiro exerce sobre o segundo, pretende se fixar em uma concepção dualista da educação, às raízes longínquas das concepções sobre a escola pública.

Poderíamos dizer na linguagem moderna que a educação neste período era "terceirizada", e que os educadores, ao mesmo tempo que ensinavam, instituíam uma nova cultura e preparavam as populações para serem dominadas pelo poder dos impérios europeus. Neste sentido, diante da fusão dessas duas instituições, uma tirando proveito sobre a outra, é que a educação e o método jesuítico de educar são precursores na formação da escola pública, tornando-se assim indispensável seu estudo. O que é fundamental entender aqui é que a escola dos jesuítas estava totalmente a serviço do poder, pois era a única que existia, tanto para servir a elite como para servir os índios e colonos. A idéia de público aqui significa ensino para todos:" ...foram os jesuítas que criaram, e, por dois séculos, quase exclusivamente mantiveram o ensino público no Brasil...os jesuítas a cada colégio, a cada casa, a cada missão juntaram uma escola, assentando os fundamentos da instrução pública, da cultura, da civilização...Os jesuítas na educação, tinham um método de ensino que não foi criado a partir da realidade de cada povo, mas importado a partir de conceitos e de uma filosofia orientada pelos valores filosóficos da Igreja católica, ou seja, o Ratio Studiorum." Este elemento era o elo de unidade da pedagogia e da doutrina em qualquer parte do mundo.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

A EDUCAÇÃO MEDIEVAL E RENASCENTISTA

Por ocasião da invasão dos bárbaros, a cultura greco-romana esteve a ponto de ser destruída, o que só não aconteceu graças, em grande parte, à atuação da Igreja Cristã, pois somente através da religião foi possível educar os novos povos.
A educação dos povos europeus na Idade Média, portanto, teve como ponto de partida a doutrina da Igreja. Assim, a instrução nessa doutrina e a prática do culto substituíram o elemento intelectual. Todos os tipos de educação que se desenvolveram durante o longo período da Idade Média não passaram de modalidades diferentes de preparação para um estado futuro.
Sob o domínio da Igreja, este estado futuro tornou-se a “outra vida”. Durante todo este período predominou uma concepção de educação que se opunha ao conceito liberal e individualista dos gregos e ao conceito de educação prática e social dos romanos.

1. O cristianismo e o novo ideal educacional
Enquanto os filósofos gregos davam mais importância ao aspecto intelectual do homem, o cristianismo, pelo contrário, passou a dar maior importância ao aspecto moral. O cristianismo não se baseia no ideal de imediata felicidade nem no de vida da razão; baseia-se, primordialmente, na idéia de caridade cristã ou amor, que é a expressão mais individual e completa da personalidade humana.
O novo ideal educacional, portanto, concentra-se no aspecto moral da pessoa humana. Esse novo ideal educativo do cristianismo é um renascer para um mundo novo do espírito.
Com o cristianismo surge um novo tipo histórico de educação com normas inéditas de vida e comportamento. No Sermão da Montanha, Jesus Cristo instaura uma nova visão do mundo e da vida, que contrasta ostensivamente com as culturas precedentes, fundadas num ideal heróico, aristotélico e terreno da existência. “Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus”. “Bem-aventurados os pacificadores porque serão chamados filhos de Deus.”

2. Os primeiros padres da Igreja, o cristianismo e a filosofia pagã
Os primeiros padres da Igreja, diante das diferenças entre o cristianismo e o saber grego e romano, ocupam posições diferentes.
Clemente de Alexandria (150 – 215), por exemplo, sustentava que os evangelhos eram o platonismo aperfeiçoado e que “Platão era o Moisés helenizado”. Ensinou que a filosofia pagã era um “pedagogo para conduzir o mundo a Cristo”. São Justino (100 – 165) e Orígenes (185 – 254) pensavam da mesma forma.
Mais tarde, porém, surgem alguns padres que passam a se opor ao saber pagão e especialmente à filosofia grega. São João Crisóstonomo (340 – 407), referindo-se a tal saber, escreve “Abandonei há muito tempo tais tolices, pois não podemos despender toda a vida em brinquedos de crianças”. E São Basílio (329 – 379), escrevendo sobre a educação de crianças, resume assim sua posição: “Temos então de abandonar a literatura? Direis. Não digo isso: mas que não devemos matar as almas... Na verdade, a escolha jaz entre duas alternativas: a educação liberal que podeis conseguir enviando vossas crianças às escolas públicas ou a salvação das suas almas que podeis assegurar enviando-as aos monges. Quem deverá vencer, a ciência ou a alma? Se puderdes unir ambas as vantagens, fazei-o por todos os meios; mas se não o puderdes, escolhei a mais preciosa.”
São Jerônimo (347 – 420), autor da versão da Bíblia para o latim, combateu, no campo educacional, a disciplina excessiva no ensino de sua época. Enfatizou também a importância de se respeitar a personalidade do aluno e de ser criar, na escola, um ambiente de amizade.
Santo Agostinho (354 – 430), o mais ativo e mais brilhante dos padres da Igreja, consagrou sua extensa cultura ao combate às heresias. Embora inicialmente admirasse o saber clássico, com o passar do tempo essa admiração foi diminuindo.
Santo Agostinho escreveu uma importante obra pedagógica, De magistro, na qual fala do processo de ensino dentro de uma visão platônica. Diz que o órgão de todo aprendizado é o logos ou mestre interior (auto-educação), que atua por iluminação divina, servindo-se das palavras e sinais como meios de comunicação. A teoria da iluminação, porém, não se ajusta com a idéia platônica de reminiscência, pois, para o cristianismo, a alma não preexiste ao corpo.

3. As escolas cristãs primitivas
A Igreja Cristã primitiva, em sua tarefa de reforma moral do mundo, volta sua atenção para a educação moral de seus próprios membros.
Os que se convertiam á religião cristã passavam por um período inicial de preparação, durante o qual recebiam instrução na doutrina cristã. Os recém-convertidos, antes de serem admitidos como membros efetivos da Igreja, eram chamados de catecúmenos, e as escolas onde recebiam instrução, de catecumenatos.
Com o tempo, tais escolas passaram a ser organizadas pelos bispos com o intuito de preparar o clero para as igrejas que estavam sob sua direção. Passaram, então, a ser denominadas escolas das catedrais, por estarem localizadas no edifício da catedral.

4. O monaquismo
Monaquismo significa a organização de homens que fizeram votos especiais de vida religiosa e vivem de acordo com regras que determinam a conduta nos seus menores detalhes.
O estudo nos mosteiros ocupava um papel preponderante. São Bento (480 – 547), fundador da ordem dos beneditinos, determinou que cada religioso deveria ter sete horas por dia de trabalho, que poderia ser manual ou literário. Determinou, também, que cada religioso deveria dedicar de duas a cinco horas de leitura por dia.
São Basílio estipulou regras semelhantes. Desse regime de trabalho imposto aos monges surgiram diversos benefícios para a educação. Os principais foram:
- surgimento das escolas para preparação dos jovens aceitos para a vida monástica.
- cópia e conservação dos livros.
- o estudo da literatura.
- formação de um ambiente favorável ao estudo e à reflexão.
Os mosteiros eram praticamente as únicas instituições de ensino da época. Eram os únicos centros de pesquisa, as únicas casas editoras para a multiplicação dos livros, as únicas bibliotecas para a conservação do saber, enfim, os mosteiros preparavam os únicos sábios e estudiosos da época.
Um dos trabalhos mais significativos dos monges no campo educacional foi, sem dúvida, a cópia dos manuscritos. Sem esse trabalho a maior parte das obras do passado não teriam chegado até nós.
Deve-se aos monges, também, a condensação do saber da época nas Sete Artes Liberais, que incluíam o trivium (Gramática, Dialética, Retórica) e o quadrivium (Aritmética, Geometria, Música e Astronomia). O trivium e o quadrivium unidos constituíam o septivium.
5. A escolástica

O termo escolástica significou inicialmente o conjunto do saber, tal como era transmitido nas escolas do tipo clerical. O escolástico era o mestre das Sete Artes Liberais ou o chefe das escolas monásticas ou catedrais. Mais tarde se deu o mesmo nome aos que escolarmente se dedicavam à Filosofia e à teologia.
Num sentido amplo, porém, podemos dizer que a escolástica é um movimento intelectual oriundo da Idade Média, preocupado em demonstrar e ensinar as concordâncias da razão com a fé pelo método da análise lógica.
A escolástica, portanto, não se caracteriza por nenhum conjunto de princípios ou crenças, mas por um método ou tipo peculiar de atividade intelectual. Seu objetivo era apoiar a fé na razão, procurando acabar com todas as dúvidas e controvérsias através da argumentação.
Dessa maneira, a educação escolástica visava desenvolver o poder de formular as crenças num sistema lógico. A forma científica valorizada era a lógica dedutiva. Por isso, a escolástica é definida, freqüentemente, como a união das crenças cristãs com a lógica aristotélica.
A escolástica compreende três períodos:
· o de formação (desde o século IX até fins do século XII);
· o de apogeu (1220 a 1347), época de fundação dos grandes sistemas escolásticos;
· o de decadência 9até últimos anos do século XV), caracterizado pela reprodução das doutrinas da fase precedente.

Os principais representantes da escolástica são:
· Santo Anselmo (1033 – 1109) o primeiro a fazer distinção entre saber e crença.
· Santo Alberto Magno (1200 – 1280) denominado o Doutro Universal, foi o primeiro a reproduzir a filosofia de Aristóteles em forma sistemática.
·
Santo Tomás de Aquino
[1] (1225 – 1274) o Doutor Angélico foi o mais influente de todos. Sua monumental obra, a Suma Teológica, representa a culminância da escolástica. Com relação ao ensino, ele insiste na participação que o educando deve ter em sua formação física e espiritual. Santo Tomás admite, como Santo Agostinho, que Deus é o verdadeiro mestre que ensina dentro de nossa alma, porém sublima a necessidade de uma ajuda exterior. Deus nos infunde no entendimento os princípios fundamentais; contudo, as aplicações desses princípios, as deduções que deles se originam, são obra humana e da experiência. No educando o saber está contido só potencialmente; o mestre o ajuda, leva-o a atualizá-lo, não no sentido de que se opere sobre sua alma como causa final, isto é, como modelo que o discípulo tende a realizar.
· Duns Scotus
[2] (1266 – 1308) o Doutor Sutil, celebrizou-se como fundador de uma escola de teologia rival da de Santo Tomás de Aquino.
· Guilherme de Occam
[3] (1300 – 1350) o Doutor Invencível, negava que as doutrinas teológicas pudessem ser demonstradas pela razão e sustentava que era totalmente matéria de fé.
6. As universidades
São as seguintes as principais circunstâncias que determinam o surgimento e desenvolvimento das universidades européias no século XIII;
- o desenvolvimento interno das escolas monásticas e escolas catedrais.
- o vigoroso influxo da ciência e da Teologia.
- o desenvolvimento do comércio e o crescimento das cidades, que estimularam o interesse pelo ensino.
- o movimento das Cruzadas, que tirou a sociedade européia do seu isolamento.
O primeiro nome dado às novas instituições de ensino foi o de studium generale. Isto, no entanto, não significa que tais instituições em seu início, incluíssem todos os ramos do saber; significa apenas que era um instituto geral (não local) para todos os estudantes preparados, sem distinção de raça e nacionalidade. Em sua origem, um studium generale podia cultivar e ensinar apenas um ramo do saber; podia, por exemplo, ensinar só Direito.
Só mais tarde, pelos fins do século XIV, o nome studium generale foi substituído pelo de universitas. Isto ocorre quando um studium generale chega a organizar-se em forma de cooperação de mestres e alunos, pouco importando que, a princípio, seus membros se consagrassem a uma só disciplina. À semelhança da expressão studium generale, a palavra universidade adquiriu o sentido de instituição docente e de investigação, dedicada, com liberdade de mestres e alunos, a todos os ramos do saber (universitas litterarum).
Talvez a primeira universidade que congregou professores e alunos organizados por seções nas quatro grandes divisões do conhecimento daquela época (Teologia, Direito, Medicina e Filosofia) tenha sido a de Nápoles, fundada em 1224.
Podemos citar, entre as universidades mais importantes, as de Paris, Bolonha, Salermo, Oxford, Viena e Salamanca.
Durante a Idade Média foi muito grande a influência da universidade. Ela forneceu o primeiro exemplo de organização puramente democrático. Foi uma das grandes forças da Idade Média, a única que à época representava a cultura superior do espírito, quando não havia outros corpos científicos, nem imprensa, nem jornais, nem revistas. Representava também a opinião pública, não somente nos assuntos científicos, mas também nos grandes problemas políticos e eclesiásticos, ou por não existirem corporações políticas regulares, ou por estas se reunirem de quando em quando.

7. Tendências gerais do Renascimento
Renascimento significa, etimologicamente, a ação de renascer, isto é, nascer de novo. Tradicionalmente, no entanto, a palavra renascimento designa o movimento cultural e artístico que se desenvolveu nos séculos XVI e XVII. Esse movimento, que teve início na Itália e daí se estendeu para o resto da Europa, propunha-se restaurar as formas e ideais da Antiguidade clássica.
Segundo Paul Monroe, as atividades do Renascimento podem ser resumidas em três tendências gerais, que representam três grandes interesses quase desconhecidos durante a Idade Média:

1º) Interesse pela vida real do passado. Os gregos e romanos tinham um conhecimento mais amplo da vida e das suas possibilidades do que a humanidade da Idade Média. As idades clássicas expressaram esse conhecimento através de uma literatura e uma arte incomparavelmente superiores às da Idade Média, que no entanto as ignorava.

2º) Interesse pelo mundo subjetivo das emoções - da alegria de viver, dos prazeres e satisfações contemplativas desta vida e da apreciação do belo. O pensamento medieval ignorava completamente este mundo.

3º) Interesse pelo mundo da natureza física. Este não só era desconhecido dos povos medievais, como, seu estudo era considerado baixo e humilhante.

8. Conseqüências dos novos interesses

As principais conseqüências dos novos interesses foram:
· estudo mais amplo e intensivo das línguas grega e latina;
· caça aos manuscritos remanescentes desta literatura;
· restauração das obras clássicas;
· criação, na literatura, de um novo interesse por tudo o que apelasse para a imaginação e para o coração;
· o esforço artístico, sob todas as suas formas, passa a predominar como em nenhum outro período da História;
· a análise introspectiva da vida emocional provoca imensa produção literária (poesia, drama e romance);
· desenvolvimento das ciências históricas e sociais;
· deslocamento do centro de gravitação, até então situado nas coisas divinas, para o próprio homem.

9. Conseqüências educacionais

Uma das principais conseqüências educacionais do Renascimento, ao lado da exaltação do estudo dos clássicos, é a bus promova o ideal da nova vida.
E qual é esse ideal?
Quem responde é Paulo Vergério (1349-1420), professor da Universidade de Pádua, que em 1374 escreveu um tratado sobre educação: "Para um temperamento vulgar, o lucro e o prazer são os alvos da vida; para uma natureza elevada, a dignidade moral e a glória são tudo".
O conteúdo da nova educação, que consiste principalmente nas línguas e nas literaturas clássicas dos gregos e romanos, passa a ser designado, durante este período, pelo termo humanidades.Batista Guarino, em seu tratado sobre a educação (1459), escreve o seguinte: "O conhecimento e a prática da virtude são peculiares_ ao homem; eis por que os nossos antepassados chamavam Humanitas aos propósitos, às atividades específicas da humanidade. Nenhum ramo do conhecimento abrange uma extensão tão ampla de assuntos quanto esta ciência que tento descrever".
O interesse da educação no Renascimento está centrado, portanto, "nos propósitos, nas atividades específicas da humanidade", e a literatura dos gregos e romanos era apenas um meio para a compreensão de tais atividades. Por isso, o aprendizado da língua e da literatura dos gregos e romanos torna-se o problema pedagógico mais importante.

10. Alguns representantes do Renascimento

A Itália foi o berço do Renascimento. Mais do que qualquer outro povo, a língua e a literatura a uniam com a época clássica. Dante Alighieri foi o mais antigo dos precursores do Renascimento. Com a Divina comédia ele deu a seu país uma língua nacional. Petrarca (1304-1374) e Boccaccio (1313-1375) ressuscitaram o interesse pelo estudo dos clássicos latinos e gregos.
No campo educacional, porém, o maior inovador foi Victorino da Feltre (1378-1446). Sua maior criação foi uma escola à qual deu o nome de Casa Giocosa (casa alegre), para diferenciá-la das escolas de tipo medieval, de disciplina rígida e austera.
A Casa Giocosa preocupava-se, acima de tudo, com a formação integral do homem. Procurava educar harmonicamente os jovens através da educação física, equitação, salto, corrida, esgrima e guerra simulada; no plano de ensino, colocava no centro as "artes liberais"; e ensinava aos jovens literatura e história de Roma, em vez de meras fórmulas lingüísticas.
Victorino da Feltre costumava dizer: "Quero ensinar os jovens a pensar, não a delirar". Afirmava, também, que o ensino deveria ser gradual e de acordo com o desenvolvimento psíquico do aluno, e transcorrer num ambiente de alegria e satisfação.
Com relação ao nome Casa Giocosa, convém lembrar que a palavra italiana giocosa deriva do vocábulo latino iocus, sinônimo de ludus, que, como vimos, foi o nome dado à escola elementar romana. "Vinde, ó meninos, aqui se instrui, não se atormenta", dizia uma legenda da Casa Giocosa.
A experiência pedagógica de Victorino da Feltre foi a primeira tentativa, na Itália, de criar uma escola à margem das organizações religiosas. E os seus resultados, certamente, foram muito bons, pois dela saíram humanistas, chefes de Estado, eclesiásticos, filósofos, educadores, juristas, homens de ciência, poetas.
Na França, dois representantes do Renascimento se ocuparam com problemas da educação: François Rabelais (1483-1555) e Michel de Montaigne (1533-1592). Rabelais voltou-se contra a educação formalista e livresca, e apresenta suas idéias sobre educação através de uma novela pedagógica cheia de ironia, chamada Gargântua e Pantagruel. "Gargântua, filho do gigante Grangollete e da giganta Gargabela, mostrava desde menino felizes disposições para o estudo. Seu pai, monarca poderoso, confia-o a dois mestres, nos quais Rabelais personifica a educação oca e sofística da época.
Gargântua trabalha durante vinte anos com todas as suas forças, aprende muitos livros e até os pode recitar de memória; mas não progride, e o rei gigante nota que seu filho está se tornando tolo e idiota. O rei se queixa de tão triste resultado a um amigo seu, e este lhe diz que há outro meio de educar a juventude, e apresenta ao rei um pequeno pajem, chamado Exudermo, muito esperto, e que forma lastimável contraste com Gargântua. Então o gigante faz chamar o preceptor Exudermo, a fim de que se encarregue da educação de seu filho.
O novo preceptor de Gargântua começa por levá-lo a viajar para ilustrá-lo, e lhe distribui as horas do dia a fim de que o discípulo não desperdice nenhuma. Ensina-lhe por meio do jogo, ensina-lhe no momento de tomar refeição, ensina-lhe Botânica nas flores do campo e nas ervas. Astronomia, nos astros. Higiene, nos alimentos e assim por diante; sempre sob a forma sensível, intuitiva. Ao mesmo tempo enrijece seu corpo, obriga-o a saltar, a subir em árvores, a
nadar, a disparar a funda e a flecha, esgrima, equitação, ginástica completa. Ensina-lhe a moral fugindo do fanatismo e da despreocupação, afeição à leitura e ao desenho, e até os jogos de cartas e fichas lhe servem para o ensino de Geometria e Aritmética." Rabelais condensa seu pensamento no seguinte princípio: "Ciência sem consciência não é senão ruína da alma".
O outro representante francês do Renascimento que se ocupou com os problemas da educação foi Montaigne. Para Montaigne, a educação de seu tempo era livresca, cheia de pedantismo, desligada da vida e propensa a punir as crianças com castigos corporais. Diz ele: "Os eruditos exclamam com freqüência: Cícero falava assim, estas foram as palavras de Platão, estas são as próprias palavras de Aristóteles. Um papagaio podia dizer o mesmo! Mas, o que é que dizemos e que seja nosso? Que é que podemos fazer? Que juízo temos? Tal instrução é como moeda falsa, que não tem outro valor senão o de uma ficha para cortar ou sustentar naipes. Porque o conhecimento que vem dos livros merece o maior desprezo se nada tem a ver com a vida real do indivíduo.
O que abusa de enriquecer-se com o acúmulo de tantos conhecimentos, nunca será esperto nem brilhante. O ideal educativo de Montaigne é o homem para o mundo. Por isso a educação deve formar o homem completo, de corpo e alma. É preciso educar o juízo do aluno, em vez de encher-lhe a cabeça com palavras. Para tanto, o professor, ao invés de dizer tudo ao aluno, deve mostrar-lhe as coisas, torná-las agradáveis para que ele aprenda a discernir e a escolher por si mesmo. Algumas vezes o professor deverá abrir-lhe o caminho; outras vezes procurará que a criança se esforce por abri-lo. O professor não deve ser o único a falar. Deve, também, ouvir seus alunos.
Montaigne dá outros conselhos ao professor. Diz, por exemplo, que o professor não deve limitar-se a indagar o aluno apenas sobre as palavras da lição; deve indagá-lo, principalmente, sobre o sentido e a substância, "julgando o proveito que tirou, não pelo testemunho da vida".
Logo a seguir, aconselha: "Procure também que o seu discípulo aprenda, se possível, aplique a cem usos, para ver se o aplica bem e se o compreendeu. É indício certo de que o estômago não desempenhou bem as funções quando devolve os alimentos no mesmo estado em que os recebe. As abelhas voam de flor em flor roubando-lhes parte dos delicados sucos que contêm, que não são o próprio mel; este as abelhas formam depois e é inteiramente seu. Da mesma forma devem os discípulos recolher idéias e conhecimentos dos demais, não para reproduzi-los como os recebem, mas para transformá-los e fundi-los em obra própria. Guarde em boa hora o que recebeu emprestado, mas revele ao mesmo tempo o que fez por sua parte".
Com relação ao programa de estudos, Montaigne recomenda o conhecimento da natureza, da língua materna, da História que "é um espelho onde é preciso olhar para conhecer-nos bem". Com relação aos métodos de ensino ele reprova os educadores que consideram seus alunos como sujeitos passivos aos quais se tenha que transmitir os conhecimentos como "idéias já feitas".
Recomenda que se procure estimular a atividade espontânea dos meninos e jovens (métodos ativos), mediante a observação direta da natureza e do juízo autônomo da razão: "Faça-se a criança adquirir curiosidade por todas as coisas, que veja quanto haja de singular a seu redor: um edifício, uma fonte, um homem, o lugar de uma antiga batalha, uma passagem de César ou de Carlos Magno".
As idéias de Montaigne tiveram repercussões benéficas sobre a educação.
Sua preocupação com um tipo de educação destinada a formar o juízo prático dos jovens para as coisas da vida coincide com as preocupações educativas de nosso tempo.


Questões para reflexão:
1. Até que ponto as concepções e ideais surgidos na Idade Média influíram e influem na educação e cultura brasileira?
2. Que preocupações do Renascimento coincidem com as preocupações educacionais de nosso tempo?

[1] Cf. http://www.aquinate.net/p-web/Portal-Tomas/Vida/portal-tomas-vida-ensino.htm
[2] Cf. http://www.aquinate.net/p-web/Portal-Tomismo/Antitomistas/antitomistas-duns-escoto.htm
[3] Cf http://pt.wikipedia.org/wiki/William_de_Occam