sábado, 14 de junho de 2008

IMPORTÂNCIA DA HISTÓRIA DAS IDÉIAS PEDAGÓGICAS

1. O homem é feito de tempo

Comecemos pela reflexão acerca da história e da pedagogia, como teorias que têm por objeto a ação humana. A história é a interpretação da ação transformadora do homem no tempo. A pedagogia é a teoria crítica da educação, isto é, da ação do homem quando transmite ou modifica a herança cultural.

De início, podemos admitir que o homem é um ser histórico, já que suas ações e pensamentos mudam no tempo, à medida que enfrenta os problemas não só da vida coletiva, como também da experiência pessoal.

O trabalho – que é a ação transformadora do homem sobre a natureza - modifica também a maneira de pensar, agir e sentir, de modo que nunca permanecemos os mesmos ao fim de uma atividade, qualquer que ela seja. É nesse sentido que dizemos que, pelo trabalho, o homem se autoproduz, ao mesmo tempo que produz sua própria cultura.
Se o homem é o resultado desse devir, do processo pelo qual constrói a cultura e a si próprio, é impossível pensar em uma natureza humana com características universais e eternas. Não há um conceito de “homem universal” que sirva de modelo para os educadores. Melhor seria referirmo-nos a uma condição humana, resultante do conjunto das relações sociais, mutáveis no tempo. Ou seja, não compreendemos o homem fora de sua prática social, porque esta, por sua vez, se encontra mergulhada em um contexto histórico-social concreto.


2. Educação e ideologia

A partir das relações que estabelecem entre si, os homens criam padrões de comportamento, instituições e saberes, cujo aperfeiçoamento é feito pelas gerações sucessivo, o que lhes permite assimilar e modificar os modelos valorizados em uma determinada cultura. É a educação, portanto, que mantém viva a memória de um povo e dá condições para a sua sobrevivência. Por isso dizemos que a educação é uma estância mediadora que torna possível a reciprocidade entre indivíduo e sociedade.
Esse processo, no entanto, não é isento de distorções. De início, nas sociedades tribais a cultura global é transmitida de maneira informal pelos adultos, atingindo todos os indivíduos. Nas sociedades mais complexas, porém, com a passar do tempo, a educação formal assume um caráter intelectualista cada vez mais distanciado da atividade concreta, destinando-se apenas à elite. As demais classes têm preterida a sua formação, considerada desnecessária porque a elas é destinado o trabalho braçal. Portanto a dicotomia trabalho intelectual versus trabalho manual ora exclui os filhos dos trabalhadores manuais, ora cria uma escola dualista, com objetivos diferentes: para a elite, uma escola de formação que pode estender até os graus superiores, enquanto para os trabalhadores restam os rudimentos do ler e escrever e o encaminhamento para a profissionalização.
Mesmo quando as crianças mais pobres tentam estudar, esbarram em dificuldades inúmeras e, geralmente, não prosseguem sua escolarização. Explicações foram dadas para os fenômenos de exclusão, evasão e repetência, mas tendem a tornar-se justificações ideológicas quando escamoteiam os verdadeiros motivos, impedindo dessa forma a solução dos problemas.
Vamos ilustrar com exemplos algumas dessas falsas justificativas da dicotomia. Há quem pense que para a sociedade funcionar é preciso que uns saibam e outros executem, unas mandem e outros obedeçam. Os mais passivos imaginam que nada pode ser feito, porque “desde que o mundo é mundo, existem pobres e ricos”. Outros atribuem o estado de pobreza à incompetência individual, tanto como o fracasso escolar á preguiça, falta de talento ou ignorância do aluno.
A ideologia é, portanto, um fenômeno das sociedades divididas em classes. Por meio dela a classe dominada não percebe a divisão que a inferioriza e, assumindo os valores dominantes, não é capaz de elaborar a consciência própria da classe a que pertence.


3. A educação antes da escola

Ainda hoje existem regiões onde não há escolas. No entanto, a educação não deixa de ocorrer, embora ela aconteça por processos diferentes daqueles utilizados pelo sistema escolar. Neste texto tecemos algumas considerações sobre a educação que não é feita na escola como nós a conhecemos.
A educação existe mesmo onde não há escolas. Nas sociedades chamadas primitivas e de povos considerados “bárbaros”, por exemplo, não existem escolas nem métodos de educação conscientemente reconhecidos como tais. No entanto, existe educação, cujo objetivo é promover “o ajustamento da criança ao seu ambiente físico e social por meio da aquisição da experiência de gerações passadas”.
Entre os povos primitivos a educação possui uma estrutura muito simples, como veremos a seguir.
Uma das formas pelas quais a criança adquire os conhecimentos necessários entre os povos primitivos é a imitação. Nos primeiros anos de vida a imitação é inconsciente. As crianças brincam com pequenas reproduções dos instrumentos utilizados pelos adultos. Com uma tora na água, por exemplo, aprendem a equilibrar-se e a remar. Assim, mais tarde, saberão manejar uma canoa. As meninas, por sua vez, brincam de preparar comida.
Numa segunda etapa a imitação torna-se consciente. As crianças participam das atividades dos adultos e aprendem por imitação. Essa segunda etapa tem início quando se começa a exigir trabalho da criança.
Ela vai aprendendo, pouco a pouco, as diversas ocupações da tribo: construção de utensílios; a pesca e a caça, entre os povos caçadores; guarda do gado, entre os pecuaristas; trabalhos agrícolas, entre os povos sedentários.


4. A educação e as cerimônias de iniciação

Entre todos os povos primitivos encontramos as cerimônias de iniciação, que possuem especial valor educativo. Em algumas tribos elas são breves; em outras duram anos. Geralmente tais cerimônias se verificam desde o início da adolescência até a admissão do jovem à comunidade adulta da tribo.
Qual o significado educativo dessas cerimônias?
Em primeiro lugar elas têm um valor moral: através das mutilações a que deve se submeter, o menino aprende a suportar a dor; e, pela exposição ao tempo e pela falta de alimentação, aprende a tolerar as circunstâncias difíceis e a fome.

As cerimônias de iniciação possuem também um valor social e político. Através da subserviência aos dirigentes, o menino aprende a obediência e a reverência aos mais velhos e aprende, igualmente, a servir aos idosos e a suprir as necessidades da família.
Outro valor das cerimônias de iniciação é o religioso. Esse valor evidencia-se pelo fato de o totem ser o centro do culto nas cerimônias. O totem - geralmente um animal e às vezes um vegetal é considerado o antepassado mítico da tribo, de quem esperam proteção.
No totem centralizam-se os mitos religiosos explicações que os povos primitivos conseguem dar ao modo de agir das forças da natureza.
As cerimônias de iniciação revestem-se também de um valor prático: nessas cerimônias, os jovens a serem iniciados aprendem os métodos de capturar certos animais, as artes de acender o fogo, de preparar os alimentos, e processos similares de valor prático. Para os povos primitivos, porém, o aspecto importante dessas atividades não é o prático, mas o religioso. Todas essas atividades práticas devem processar-se de modo definido e previamente estabelecido. Tais métodos precisos e característicos de ação constituem sua religião. E esta, pois, não se relaciona com fases isoladas da vida, mas com as mais comuns práticas.


5. O animismo, presença constante na educação primitiva.

Todos os povos primitivos possuem uma característica comum: são animistas. O animismo consiste na crença de que todas as coisas possuem uma alma. As pedras, as árvores, os animais, enfim, todas as formas de existência possuem alma ou espírito.
Por causa dessa crença o homem primitivo atribui tudo o que acontece no ambiente à intervenção de espíritos amigáveis ou hostis, se as ocorrências são, respectivamente, positivas ou negativas. Assim, na busca dos meios necessários para a sobrevivência, o homem primitivo procura agir de maneira a não ofender o espírito que habita os objetos de que precisa. Para isso, ele deve seguir certos métodos que são produtos da experiência de gerações passadas. O aprendizado desses métodos, que apaziguarão o mundo dos espíritos, constitui a parte mais importante da sua educação.
As cerimônias de iniciação, como vimos, servem para transmitir aos jovens a explicação do universo e, assim, torná-los capazes de assegurar um satisfatório ajustamento às suas exigências.


6. Os primeiros professores

Embora todos os homens participassem das cerimônias de iniciação, havia determinadas pessoas às quais cabia a direção das mesmas. Essas pessoas eram denominadas, segundo os diferentes casos, feiticeiros, curandeiros, xamãs, esconjuradores ou homens que consultam os espíritos familiares. Constituem os professores mais primitivos.
Inicialmente, esta classe é formada pelos chefes de grupos familiares; mas, como os deveres do pai se tornam múltiplos e este culto dos espíritos amigos se torna mais complexo, constitui-se um sacerdócio especial. Há, então, um esboço de instrução para o povo em geral, dada pelo sacerdócio; e uma instrução mais elaborada e formal dos futuros membros do sacerdócio, ministrada pelos atuais membros da classe.
Estes últimos são os primeiros professores profissionais. Por vários séculos o ensino permanece como um direito especial do clero, e, por muitos séculos mais, a educação é orientada e dirigida unicamente por ele.


7. O pensamento pedagógico Oriental

A prática da educação é muito anterior ao pensamento pedagógico. O pensamento pedagógico surge com a reflexão sobre a prática da educação, como necessidade de sistematizá-la e organizá-la em função de determinados fins e objetivos.
O Oriente afirmou principalmente os valores da tradição, da não-violência, da meditação. Ligou-se sobretudo à religião, entre as quais se destacam: o taoísmo, o confucionismo, o budismo, o hinduísmo e o judaísmo. Esse pensamento não desapareceu inteiramente. Evoluiu, transformou-se, mas guarda ainda grande atualidade e mantém muitos seguidores.
A educação primitiva era essencialmente prática, marcada pelos rituais de iniciação. Além disso, fundamentava-se pela visão animista: acreditava-se que todas as coisas – pedras, árvores, animais – possuíam uma alma semelhante à do homem. Espontânea, natural, não-intencional, a educação baseava-se na imitação e na oralidade, limitada ao presente imediato. Outra característica dessa visão é o totemismo religioso, concepção de mundo que toma qualquer ser – homem, animal, planta ou fenômeno natural – como sobrenatural e criador do grupo. O agrupamento social que adora o mesmo totem recebe o nome de clã.
A transição da sociedade primitiva para os primeiros estágios da civilização caracteriza-se pelos seguintes aspectos:
• substituição da organização genética da sociedade por uma organização política;
• formação de uma linguagem escrita e de uma literatura.
Enquanto a organização genética da sociedade baseia-se na família ou classe, a organização política baseia-se na individualidade. Na organização política da sociedade, a unidade social é o indivíduo e não a família ou classe como na organização genética.
O segundo aspecto - formação de uma linguagem escrita e de uma literatura - indica que a sociedade, além de ter consciência do seu passado, já descobriu os meios para conservá-lo.
Nas primitivas civilizações orientais a necessidade de dominar línguas geralmente muito difíceis fez com que a educação girasse em torno do domínio da linguagem e da literatura.
Para ilustrar essa afirmação vejamos algo sobre a educação chinesa.



8. A educação chinesa

Os caracteres da linguagem chinesa representam idéias e não sons, ou seja, a escrita chinesa é uma escrita ideográfica e não fonética. Isto significa que ela tem praticamente tantos caracteres ou ideogramas quantas são as idéias. Calcula-se que existem mais ou menos 25 mil caracteres, e esse cálculo pode elevar-se a 260 mil se considerarmos que um simples acento dá um sentido diverso a esses caracteres.
Muitos dos 25 mil caracteres, no entanto, são pouco usados. Os nove livros sagrados utilizados como material educativo chinês contém menos de cinco mil caracteres diferentes. Os Quatro Livros e os Cinco Clássicos que constituem os livros sagrados dos chineses tratam das formas externas da conduta. Esses livros, que são obras de Confúcio (551-479 a.C.) e de seus discípulos, formam a base da principal religião dos chineses, o confucionismo.
Para termos uma idéia do conteúdo desses livros, vejamos um texto de Confúcio:

"Os filhos, a serviço dos pais, ao primeiro canto do galo, devem lavar as mãos, enxugar a boca, pentearse, pôr em cima do cabelo o lenço de seda, firmá-lo com o alfinete, amarrar o cabelo com a fita, escovar o que fica ao ar, então colocar o barrete, deixando pendurados os extremos das tranças. Depois, colocar a jaqueta negra de forma quadrada, as joelheiras e o cinturão, fixando nele os seus tabletes (com inscrições ou para usos de escrita). Pendurar os utensílios dos lados esquerdo e direito do cinturão; do esquerdo, o pequenino espanador ou escova para remover o pó, e o lenço, a faca e a pedra de afiar o estilete e o espelho de metal para obter fogo do sol; do direito, o dedal de agulhas para o polegar e a pulseira, o tubo para os instrumentos de escrever, a bainha para a faca, o grande estilete e a broca para obter fogo da madeira. Deverão então colocar suas polainas e ajustar os cordões dos sapatos". (MULLER. Sacred books of the east, v, 37. p. 449. Apud MONROE, P. Op. Cit., p. 14.)


9. O conteúdo da aprendizagem nas escolas chinesas

Nas escolas, os alunos, além de aprenderem a dominar as formas de linguagem, decoram os textos sagrados, estudam os comentários sobre os mesmos e procuram desenvolver um estilo literário semelhante ao dos escritos sagrados.
Por muitos anos a atividade escolar tem como objetivo decorar os caracteres dos livros didáticos. A escrita, também aprendida nas escolas elementares, é uma atividade muito difícil, pois o número de caracteres chineses é muito grande, além de eles serem muito complicados.


10. O método da educação chinesa

O método utilizado na educação chinesa é o da imitação. Nos primeiros anos ele se resume em decorar. "O objetivo do professor é obrigar seus alunos em primeiro lugar a decorar, em segundo a decorar, em terceiro e sempre a decorar."
A escola chinesa é muito ruidosa, pois cada aluno recita o texto em voz alta, até que ele se fixe em sua memória. Quando tiver aprendido a lição, o aluno entrega o livro ao professor e, de costas para o livro, declama o trecho rapidamente e em voz alta, sem nenhum conhecimento do seu significado. Ele tem que repetir os caracteres na mesma ordem em que aparecem no livro e com a maior rapidez possível.


11. Organização da educação chinesa

Em todas as aldeias chinesas existiam as escolas elementares. Elas eram mantidas pelas contribuições dos alunos e com o auxílio voluntário de associações particulares. Praticamente não existiam prédios escolares. A escola funcionava em qualquer sala vaga de casa particular, nos templos, nos edifícios públicos ou, ainda, numa cabana ou em qualquer abrigo coberto de uma esquina ou canto de rua.
Os dias letivos eram longos e se estendiam durante o ano todo. Na China apenas um pequeno número de crianças freqüentava a escola e, dessas apenas um vigésimo ia além do grau elementar.
Os exames constituíam o aspecto central do sistema educacional chinês. Por seu intermédio eram escolhidos todos os funcionários públicos, o que, aliás, era o objetivo primordial dos exames. Os alunos, através dos exames, podiam alcançar os seguintes graus: "talento florido", "homem promovido" e "completo erudito" ou "apto para o cargo".
Os exames consistiam na redação de ensaios em prosa e verso sobre os diversos temas das escrituras sagradas.


12. A educação hindu

Em seus aspectos mais gerais a educação hindu não difere muito da chinesa. A diferença da educação hindu para a chinesa e com outros sistemas orientais deve-se principalmente ao sistema de, castas da sociedade hindu.
Essas castas são quatro:
1. Os brâmanes ou sacerdotes: esta classe fornece todos os professores e controla toda a legislação.
2. Os xátrias, ou seja, os generais ou classe executiva militar.
3. Os vaicias ou classe industrial.
4. Os sudras ou classe servil.
Além dessas castas havia os párias, que eram considerados fora da organização social bramânica, ou sem casta. Os sudras e párias não recebiam nenhum tipo de educação formal. Os membros das classes guerreira e industrial Imitam acesso às escolas mantidas pelos membros da classe superior. A educação literária superior, no entanto, era reservada unicamente aos brâmanes. Eles adquiriam um minucioso conhecimento das escrituras sagradas.


13. A educação judaica

Num aspecto os judeus diferenciaram-se dos demais povos orientais: deram muito mais oportunidade para o desenvolvimento da personalidade. E nesse aspecto, inclusive, contribuíram para o desenvolvimento da cultura ocidental. Nos demais aspectos da educação, no entanto, eles não diferem muito do tipo oriental.
Com relação ao ensino, os judeus não foram tão adiantados quanto os chineses, pois praticamente não chegaram a possuir escolas para o povo em geral. Toda a instrução ministrada pelos escribas e sacerdotes ao povo judeu centralizou-se na lei contida na Bíblia e no Talmude.


Questões para Reflexão

1. Que valores positivos da educação primitiva são ainda válidos atualmente?

2. Que aspectos da primitiva educação oriental podem ser considerados válidos para a educação atual?

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