terça-feira, 15 de julho de 2008

A EDUCAÇÃO NO ILUMINISMO

1. Erasmo de Roterdã – O pedagogo humanista

Embora fosse clérigo e profundamente cristão, o filósofo holandês Erasmo de Roterdã (1469-1536) passou para a história por se opor ao domínio da Igreja sobre a educação, a cultura e a ciência. A influência religiosa vigorou praticamente sem contestação durante toda a Idade Média no Ocidente e ainda no tempo de Erasmo era preciso ousadia para ir contra ela. De qualquer modo, ousadia individual fazia parte das atitudes que um número crescente de intelectuais começava a enaltecer no período de transição para a Idade Moderna, entre eles o filósofo holandês. O pensamento nascente defendia a liberação da criatividade e da vontade do ser humano, em oposição ao pensamento escolástico, segundo o qual todas as questões terrenas deviam subordinar-se à religião.
O antropocentrismo - o predomínio do humano sobre o transcendente - era o eixo dessa nova filosofia, que seria posteriormente conhecida sob o nome de humanismo. A palavra deriva da expressão latina studia humanitatis, que se referia ao aprendizado, nas universidades, de poética, retórica, história, ética e filosofia, entre outras disciplinas. Elas eram conhecidas como artes liberais, porque se acreditava que dariam ao ser humano instrumentos para exercer sua liberdade pessoal.
A fonte original de todo humanismo foi a literatura clássica. A época era de redescoberta e reinterpretação da produção cultural da antigüidade greco-romana. O interesse por esse período da história foi acompanhado por uma série de mudanças profundas na vida européia: a revitalização das cidades, a formação de redes de comércio entre centros distantes, a consolidação de uma classe mercantil muito abastada, a criação de bancos e a centralização do poder político em torno de cidades ou de reinos. Tudo isso ocasionou a abertura de brechas na autoridade da Igreja, antes onipresente. Por razões evidentes, esse período histórico de grandes transições ficou conhecido como Renascimento, dando origem a uma produção cultural das mais ricas e fecundas de todos os tempos.
Erasmo se inseria no panorama cultural como um símbolo da nova era. Num tempo em que os papas insuflavam guerras e acumulavam fortunas e o clero dava fartas mostras de ostentação, hipocrisia e arrogância, Erasmo pregou a volta aos valores cristãos originais, a começar pela paz. Sua obra mais célebre, O Elogio da Loucura, é uma sátira à inversão de valores que detectava na sociedade de seu tempo. A moralidade estava no centro das preocupações do filósofo e deveria, de acordo com ele, ser a fonte e o objetivo final da educação.
Cultivo simultâneo do corpo e do espírito; procura da harmonia e do equilíbrio; elogio da vida ativa; busca do realismo, em todas as dimensões (incluindo as negativas e abjetas); e surgimento do conceito de dignidade do ser humano. Todos esses pilares humanistas, aliados aos investimentos materiais de comerciantes e nobres, deram às artes - mais especificamente à literatura e às artes plásticas - o ponto de convergência dos interesses do humanismo. A filosofia e a ciência ficaram, até certo ponto, em segundo plano, porque a obra artística passou a ser considerada manifestação filosófica.
Erasmo criticava as escolas de seu tempo, em geral administradas por clérigos que baseavam sua pedagogia em manuais imutáveis, repetições de conceitos e princípios de disciplina com traços de sadismo. O filósofo via nos livros um imenso tesouro cultural, que deveria constituir a base do ensino. Segundo Erasmo, a linguagem era o começo de toda boa educação, já que é sinal da razão humana. Não se trata apenas de alfabetização e leitura, mas de interpretar os textos criticamente, prática que os humanistas e reformadores religiosos introduziram na história da pedagogia. Erasmo acreditava que um bom aprendizado das artes liberais até os 18 anos prepararia o jovem para entender qualquer coisa com facilidade. Como todo humanista, o pensador holandês defendia a possibilidade de chegar à perfeição por via do conhecimento. Para o filósofo, ao ensinar era necessário levar em conta a pouca idade da criança - e por isso cercá-la de cuidados específicos - e também a índole de cada uma.
O programa pedagógico do filósofo era generoso, mas de modo algum democrático. Segundo ele, apenas a instrução religiosa deveria ser para todos, enquanto os estudos das artes liberais estariam restritos aos filhos da elite, que futuramente teriam cargos decisórios.
As críticas de Erasmo ao clero, assim como seu interesse pelos estudos da linguagem, o aproximaram de Martinho Lutero (1483-1546), o monge alemão que deu origem ao protestantismo. Mas o filósofo holandês combatia a idéia de predestinação de Lutero por acreditar firmemente no livre-arbítrio dos seres humanos - todos são capazes de distinguir o bem e o mal. Além disso, sempre pregou o diálogo entre as facções discordantes.
No campo propriamente pedagógico, o interesse de Erasmo pelo conhecimento das línguas antigas semeou o terreno para o estudo do passado, em particular do Novo Testamento e dos primeiros pensadores do cristianismo. A ênfase na história do homem e o estudo do passado ergueram um dos principais pilares da educação moderna. A cultura medieval, ao contrário, se construíra em torno do ideal de intemporalidade.
A então recente invenção da impressora de tipos móveis, pelo alemão Johannes Gutenberg, entusiasmava Erasmo com a promessa de ampla circulação de textos da literatura clássica. Ele via o conhecimento dos livros como alternativa saudável à educação religiosa que recebera. Segundo Erasmo, o ensino que havia conhecido "tentava ensinar humildade destruindo o espírito das crianças".
Outros valores renascentistas, como a exaltação da beleza e do prazer, se encontravam em profusão nos clássicos. Para Erasmo, esses princípios eram mais interessantes do que as abstrações da filosofia escolástica. Além disso, dizia ele, o prazer físico e o bom humor não conflitam com o cristianismo.
Apesar da notoriedade de que desfrutou em vida, Erasmo foi desprezado pelas gerações seguintes. Suas idéias seriam retomadas pelo educador tcheco Comênio.


2. Comênio - O pai da didática moderna

O nome Comênio é o aportuguesamento da assinatura latina (Comenius) de Jan Amos Komensky, (1592-1670) que combateu o sistema medieval, defendeu o ensino de ''tudo para todos'' e foi o primeiro teórico a respeitar a inteligência e os sentimentos da criança
Quando se fala de uma escola em que as crianças são respeitadas como seres humanos dotados de inteligência, aptidões, sentimentos e limites, logo pensamos em concepções modernas de ensino. Também acreditamos que o direito de todas as pessoas — absolutamente todas — à educação é um princípio que só surgiu há algumas dezenas de anos. De fato, essas idéias se consagraram apenas no século XX, e assim mesmo não em todos os lugares do mundo. Mas elas já eram defendidas em pleno século XVII por Comênio.
A obra mais importante de Comênio, Didactica Magna, marca o início da sistematização da pedagogia e da didática no Ocidente. A obra, à qual o autor se dedicou ao longo de sua vida, tinha grande ambição. Ele chama sua didática de 'magna' porque ele não queria uma obra restrita, localizada. Ela tinha de ser grande, como o mundo que estava sendo descoberto naquele momento, com a expansão do comércio e das navegações.
No livro, o pensador realiza uma racionalização de todas as ações educativas, indo da teoria didática até as questões do cotidiano da sala de aula. A prática escolar, para ele, deveria imitar os processos da natureza. Nas relações entre professor e aluno, seriam consideradas as possibilidades e os interesses da criança. O professor passaria a ser visto como um profissional, não um missionário, e seria bem remunerado por isso. E a organização do tempo e do currículo levaria em conta os limites do corpo e a necessidade, tanto dos alunos quanto dos professores, de ter outras atividades.
Comênio era cristão protestante e pertencia ao grupo religioso Irmãos Boêmios, ao qual se manteve vinculado por toda a vida, tornando-se, em 1648, bispo dos morávios. Embora profundamente religioso, o pensador propôs uma ruptura radical com o modelo de escola até então praticado pela Igreja Católica, aquele voltado apenas para a elite e dedicado primordialmente aos estudos abstratos. Ainda vigoravam as doutrinas escolásticas da Idade Média, pelas quais todas as questões teóricas se subordinavam à teologia cristã.
Comênio não foi o único pensador de seu tempo a combater o pedantismo literário e o sadismo pedagógico, mas ousou ser o principal teórico de um modelo de escola que deveria ensinar "tudo a todos", aí incluídos os portadores de deficiência mental e as meninas, na época alijados da educação. Ele defendia o acesso irrestrito à escrita, à leitura e ao cálculo, para que todos pudessem ler a Bíblia e comerciar. Respondia assim a duas urgências de seu tempo: o aparecimento da burguesia mercantil nas cidades européias e o direito, reivindicado pelos protestantes, à livre interpretação dos textos religiosos, proibida pela Igreja Católica.
A obra de Comênio corresponde também a outras novidades, entre elas o despertar de uma nova concepção de criança. Ele a trata em seus livros com muita delicadeza, num tempo em que a escola existia sob a égide da palmatória. A educação era vista e praticada como um castigo e não oferecia elementos para que depois as pessoas se situassem de forma mais ampla na sociedade. Comênio reagiu a esse quadro com uma pergunta: por que não se aprende brincando?
Sob influência de seitas protestantes e do filósofo inglês Francis Bacon (1561-1626), Comênio acreditava que a salvação da alma poderia ser alcançada durante a vida terrena e que o caminho para isso poderia ter a ajuda da ciência. Para ele, a criatura humana correspondia ao ideal de perfeição. Comênio acreditava que, por ser dotado de razão, o homem pode entender a si e a todas as coisas. Portanto deve se dedicar a aprender e a ensinar. Seguindo esse pensamento, Comênio conclui que o mais importante na vida não é a contemplação e sim a ação, o "fazer".
No pensamento humanista do pedagogo tcheco, a instrução e o trabalho diferenciavam o homem burguês do homem feudal. Em sua trajetória, o novo indivíduo deveria imitar a natureza, porque emulando Deus, e respeitando as aptidões de cada um, não haveria possibilidade de erro. De Bacon, Comênio adotou o método empírico de explorar o mundo, em contraposição às verdades impostas do ensino medieval. Pela experimentação, ele acreditava que todos poderiam vir a enxergar a harmonia do universo sob o caos aparente. Ele queria mudar a escola com a didática e a sociedade com a educação.
Comênio viveu a maior parte da vida cercado de guerras. Algumas delas, como a Guerra dos 30 Anos, de protestantes contra católicos, lhe diziam respeito diretamente. Toda sua obra foi marcada profundamente por isso, uma vez que o fim último de seu pensamento era a compreensão universal, que uniria toda a humanidade. Ele perseguiu desde a juventude a unificação da totalidade do conhecimento humano, porque imaginava que ele era finito e imutável. A construção de uma enciclopédia do saber e sua adaptação às capacidades infantis são o grande tema da pedagogia de Comênio, e para sustentá-la ele criou uma base filosófica que denominou "pansofia", a procura de um princípio básico que harmonizasse todo o saber. Ao contrário de seu pensamento educacional, que suscitou interesse pela Europa afora, a pansofia não teve seguidores.


3. Jean-Jacques Rousseau - O filósofo da liberdade como valor supremo.

Na história das idéias, o nome do suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) se liga inevitavelmente à Revolução Francesa. Dos três lemas dos revolucionários liberdade, igualdade e fraternidade , apenas o último não foi objeto de exame profundo na obra do filósofo, e os mais apaixonados líderes da revolta contra o regime monárquico francês, como Robespierre, o admiravam com devoção.
O princípio fundamental de toda a obra de Rousseau, pelo qual ela é definida até os dias atuais, é que o homem é bom por natureza, mas está submetido à influência corruptora da sociedade. Um dos sintomas das falhas da civilização em atingir o bem comum, segundo o pensador, é a desigualdade, que pode ser de dois tipos: a que se deve às características individuais de cada ser humano e aquela causada por circunstâncias sociais. Entre essas causa, Rousseau inclui desde o surgimento do ciúme nas relações amorosas até a institucionalização da propriedade privada como pilar do funcionamento econômico.
O primeiro tipo de desigualdade, para o filósofo, é natural; o segundo deve ser combatido. A desigualdade nociva teria suprimido gradativamente a liberdade dos indivíduos e em seu lugar restaram artifícios como o culto das aparências e as regras de polidez.
Ao renunciar à liberdade, o homem, nas palavras de Rousseau, abre mão da própria qualidade que o define como humano. Ele não está apenas impedido de agir, mas privado do instrumento essencial para a realização do espírito. Para recobrar a liberdade perdida nos descaminhos tomados pela sociedade, o filósofo preconiza um mergulho interior por parte do indivíduo rumo ao autoconhecimento. Mas isso não se dá por meio da razão, e sim da emoção, e traduz-se numa entrega sensorial à natureza.
O pensamento de Rousseau pode ser tomado como uma doutrina individualista ou uma denúncia da falência da civilização, mas não é bem isso. O mito criado pelo filósofo em torno da figura do bom selvagem o ser humano em seu estado natural, não contaminado por constrangimentos sociais deve ser entendido como uma idealização teórica. Além disso, a obra de Rousseau não pretende negar os ganhos da civilização, mas sugerir caminhos para reconduzir a espécie humana à felicidade.
Não basta a via individual. Como a vida em sociedade é inevitável, a melhor maneira de garantir o máximo possível de liberdade para cada um é a democracia, concebida como um regime em que todos se submetem à lei, porque ela foi elaborada de acordo com a vontade geral. Não foi por acaso que Rousseau escolheu publicar simultaneamente, em 1762, suas duas obras principais, Do Contrato Social em que expõe sua concepção de ordem política e Emílio minucioso tratado sobre educação, no qual prescreve o passo-a-passo da formação de um jovem fictício, do nascimento aos 25 anos. O objetivo de Rousseau é tanto formar o homem como o cidadão. A dimensão política é crucial em seus princípios de educação.
Não há escola em Emílio, mas a descrição, em forma vaga de romance, dos primeiros anos de vida de um personagem fictício, filho de um homem rico, entregue a um preceptor para que obtenha uma educação ideal. O jovem Emílio é educado no convívio com a natureza, resguardado ao máximo das coerções sociais. O objetivo de Rousseau, revolucionário para seu tempo, é não só planejar uma educação com vistas à formação futura, na idade adulta, mas também com a intenção de propiciar felicidade à criança enquanto ela ainda é criança.
Rousseau via o jovem como um ser integral, e não uma pessoa incompleta, e intuiu na infância várias fases de desenvolvimento, sobretudo cognitivo. Foi, portanto, um precursor da pedagogia de Maria Montessori (1870-1952) e John Dewey (1859-1952). Ele sistematizou toda uma nova concepção de educação, depois chamada de 'escola nova' e que reúne vários pedagogos dos séculos XIX e XX.
Para Rousseau, a criança devia ser educada sobretudo em liberdade e viver cada fase da infância na plenitude de seus sentidos mesmo porque, segundo seu entendimento, até os 12 anos, o ser humano é praticamente só sentidos, emoções e corpo físico, enquanto a razão ainda se forma. Liberdade não significa a realização de seus impulsos e desejos, mas uma dependência das coisas (em oposição à dependência da vontade dos adultos). "Vosso filho nada deve obter porque pede, mas porque precisa, nem fazer nada por obediência, mas por necessidade", escreveu o filósofo em Emílio.
Um dos objetivos do livro era criticar a educação elitista de seu tempo, que tinha nos padres jesuítas os expoentes. Rousseau condenava em bloco os métodos de ensino utilizados até ali, por se escorarem basicamente na repetição e memorização de conteúdos, e pregava sua substituição pela experiência direta por parte dos alunos, a quem caberia conduzir pelo próprio interesse o aprendizado. Mais do que instruir, no entanto, a educação deveria, para Rousseau, se preocupar com a formação moral e política.
Havia mais desacordo do que harmonia entre Rousseau e os outros pensadores iluministas que inspiraram os ideais da Revolução Francesa (1789). Voltaire (1694-1778), Denis Diderot (1713-1784) e seus pares exaltavam a razão e a cultura acumulada ao longo da história da humanidade, mas Rousseau defendia a primazia da emoção e afirmava que a civilização havia afastado o ser humano da felicidade. Enquanto Diderot organizava a Enciclopédia, que pretendia sistematizar todo o saber do mundo de uma perspectiva iluminista, Rousseau pregava a experiência direta, a simplicidade e a intuição em lugar da erudição embora, mesmo assim, tenha se encarregado do verbete sobre música na obra conjunta dos filósofos das luzes. Também o misticismo os opunha: Rousseau rejeitava o racionalismo ateu e recomendava a religião natural, pela qual cada um deve buscar Deus em si mesmo e na natureza. Com o tempo, as relações entre Rousseau e seus contemporâneos chegou ao conflito aberto. Voltaire fez campanha pública contra ele, divulgando o fato de ter entregue os filhos a adoção. Os seguidores mais fiéis de Rousseau seriam os artistas filiados ao Romantismo. Por meio deles, suas idéias influenciaram profundamente o espírito da época. No Brasil, por exemplo, José de Alencar escorou seus romances indigenistas no mito rousseauniano do bom selvagem.
Rousseau dividiu a vida do jovem e seu livro Emílio em cinco fases: lactância (de 0 a 2 anos), infância (de 2 a 12), adolescência (de 12 a 15), mocidade (de 15 a 20) e início da idade adulta (de 20 a 25). Para a pedagogia, interessam particularmente os três primeiros períodos, para os quais Rousseau desenvolve sua idéia de educação como um processo subordinado à vida, isto é, à evolução natural do discípulo, e por isso chamado de método natural. O objetivo do mestre é interferir o menos possível no desenvolvimento próprio do jovem, em especial até os 12 anos, quando, segundo Rousseau, ele ainda não pode contar com a razão. O filósofo chamou o procedimento de educação negativa, que consiste, em suas palavras, não em ensinar a virtude ou a verdade, mas em preservar o coração do vício e o espírito do erro. Desse modo, quando adulto, o ex-aluno saberá se defender sozinho de tais perigos.
4. J.H. Pestalozzi - O teórico que incorporou o afeto à pedagogia

Para o educador suíço Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827), os sentimentos tinham o poder de despertar o processo de aprendizagem autônoma na criança.
Para a mentalidade contemporânea, amor talvez não seja a primeira palavra que venha à cabeça quando se fala em ciência, método ou teoria. Mas o afeto teve papel central na obra de pensadores que lançaram os fundamentos da pedagogia moderna. Nenhum deles deu mais importância ao amor, em particular ao amor materno, do que Pestalozzi.
Antecipando concepções do movimento da Escola Nova, que só surgiria na virada do século XIX e XX, Pestalozzi afirmava que a função principal do ensino é levar as crianças a desenvolver suas habilidades naturais e inatas. Segundo ele, o amor deflagra o processo de auto-educação. A escola idealizada por Pestalozzi deveria ser não só uma extensão do lar como inspirar-se no ambiente familiar, para oferecer uma atmosfera de segurança e afeto. Ao contrário de muitos de seus contemporâneos, o pensador suíço não concordava totalmente com o elogio da razão humana. Para ele, só o amor tinha força salvadora, capaz de levar o homem à plena realização moral — isto é, encontrar conscientemente, dentro de si, a essência divina que lhe dá liberdade. Pestalozzi chega ao ponto de afirmar que a religiosidade humana nasce da relação afetiva da criança com a mãe, por meio da sensação de providência.
A vida e obra de Pestalozzi estão intimamente ligadas à religião. Cristão devoto e seguidor do protestantismo, ele se preparou para o sacerdócio, mas abandonou a idéia em favor da necessidade de viver junto da natureza e de experimentar suas idéias a respeito da educação. Seu pensamento permaneceu impregnado da crença na manifestação da divindade no ser humano e na caridade, que ele praticou principalmente em favor dos pobres.
A criança, na visão de Pestalozzi, se desenvolve de dentro para fora — idéia oposta à concepção de que a função do ensino é preenchê-la de informação. Para o pensador suíço, um dos cuidados principais do professor deveria ser respeitar os estágios de desenvolvimento pelos quais a criança passa. Dar atenção à sua evolução, às suas aptidões e necessidades, de acordo com as diferentes idades, era, para Pestalozzi, parte de uma missão maior do educador, a de saber ler e imitar a natureza — em que o método pedagógico deveria se inspirar.
Tanto a defesa de uma volta à natureza quanto a construção de novos conceitos de criança, família e instrução a que Pestalozzi se dedicou devem muito a sua leitura do filósofo franco-suíço Jean Jacques Rousseau nome central do pensamento iluminista. Ambos consideravam o ser humano de seu tempo excessivamente cerceado por convenções sociais e influências do meio, distanciado de sua índole original — que seria essencialmente boa para Rousseau e potencialmente fértil, mas egoísta e submissa aos sentidos, para Pestalozzi.
A criança, na concepção de Pestalozzi, era um ser puro, bom em sua essência e possuidor de uma natureza divina que deveria ser cultivada e descoberta para atingir a plenitude. O pensador suíço costumava comparar o ofício do professor ao do jardineiro, que devia providenciar as melhores condições externas para que as plantas seguissem seu desenvolvimento natural. Ele gostava de lembrar que a semente traz em si o "projeto" da árvore toda.
Desse modo, o aprendizado seria, em grande parte, conduzido pelo próprio aluno, com base na experimentação prática e na vivência intelectual, sensorial e emocional do conhecimento. É a idéia do "aprender fazendo", amplamente incorporada pela maioria das escolas pedagógicas posteriores a Pestalozzi. O método deveria partir do conhecido para o novo e do concreto para o abstrato, com ênfase na ação e na percepção dos objetos, mais do que nas palavras. O que importava não era tanto o conteúdo, mas o desenvolvimento das habilidades e dos valores.
Embora durante a maior parte de sua vida Pestalozzi tenha escolhido viver em relativo isolamento, com a mulher e um filho que morreu aos 31 anos, ele nunca se alienou dos acontecimentos de sua época — chamada pelo historiador britânico Eric Hobsbawn de "Era das Revoluções". Na juventude, Pestalozzi militou num grupo que defendia a moralização da política suíça.
Mais tarde, por simpatizar com o pensamento liberal e republicano, se alinhou aos defensores da Revolução Francesa. Em 1798, os franceses, em apoio aos republicanos suíços, passaram a sufocar os focos de resistência à nova ordem no país vizinho, e levaram à frente um massacre na cidade de Stans. Pestalozzi, embora chocado com os acontecimentos, atendeu à convocação do governo e montou uma escola para os órfãos da batalha, que acabou sendo uma de suas experiências pedagógicas mais produtivas.
Pestalozzi não foi um iluminista típico, até por ser religioso demais para isso. Por outro lado, a importância que dava à vivência e à experimentação aproximam seu trabalho de um pioneiro enfoque científico para a educação, num reflexo da defesa da razão que caracterizou o "século das luzes". "A arte da educação deve ser cultivada em todos os aspectos, para se tornar uma ciência construída a partir do conhecimento profundo da natureza humana", escreveu Pestalozzi. Ainda como parte de uma abordagem científica da instrução, ele defendia formação específica para os professores.
O objetivo final do aprendizado deveria ser uma formação também tripla: intelectual, física e moral. E o método de estudo deveria reduzir-se a seus três elementos mais simples: som, forma e número. Só depois da percepção viria a linguagem. Com os instrumentos adquiridos desse modo, o estudante teria condições de encontrar em si mesmo liberdade e autonomia moral. Como alcançar esse objetivo dependia de uma trajetória íntima, Pestalozzi não acreditava em julgamento externo. Por isso, em suas escolas não havia notas ou provas, castigos ou recompensas, numa época em que chicotear os alunos era comum. A disciplina exterior, na escola de Pestalozzi, era substituída pelo cultivo da disciplina interior, essencial à moral protestante.

5. J. F. Herbart - O primeiro a ver a pedagogia como ciência

Com o filósofo alemão Johann Friedrich Herbart (1776-1841), a pedagogia foi formulada pela primeira vez como uma ciência, sobriamente organizada, abrangente e sistemática, com fins claros e meios definidos. A estrutura teórica construída por Herbart se baseia numa filosofia do funcionamento da mente, o que a torna duplamente pioneira: não só por seu caráter científico mas também por adotar a psicologia aplicada como eixo central da educação. Desde então, e até os dias de hoje, o pensamento pedagógico se vincula fortemente às teorias de aprendizagem e à psicologia do desenvolvimento — um exemplo é a obra do suíço Jean Piaget (1896-1980).
Para Herbart, a mente funciona com base em representações — que podem ser imagens, idéias ou qualquer outro tipo de manifestação psíquica isolada. O filósofo negava a existência de faculdades inatas. A dinâmica da mente estaria nas relações entre essas representações, que nem sempre são conscientes. Elas podem se combinar e produzir resultados manifestos ou entrar em conflito entre si e permanecer, em forma latente, numa espécie de domínio do inconsciente. A descrição desse processo viria, muitos anos depois, a influenciar a teoria psicanalítica de Sigmund Freud (1856-1939).
Uma das contribuições mais duradouras de Herbart para a educação é o princípio de que a doutrina pedagógica, para ser realmente científica, precisa comprovar-se experimentalmente — uma idéia do filósofo Immanuel Kant (1724-1804) que ele desenvolveu. Surgiram daí as escolas de aplicação, que conhecemos até hoje. Elas respondem à necessidade de alimentar a teoria com a prática e vice-versa, num processo de atualização e aperfeiçoamento constantes. Herbart fez um trabalho de grande influência porque aprofundou suas concepções até as últimas conseqüências.
Na teoria herbartiana, memória, sentimentos e desejos são apenas modificações das representações mentais. Agir sobre elas, portanto, significa influenciar em todas as esferas da vida de uma pessoa. Desse modo, Herbart criou uma teoria da educação que pretende interferir diretamente nos processos mentais do estudante como meio de orientar sua formação.
Embora profundamente intelectualista, a pedagogia herbartiana tem como objetivo maior nem tanto o acúmulo de informações, mas a formação moral do estudante. Por considerar a criança um ser moldado intelectualmente e psiquicamente por forças externas, Herbart dá ênfase primordial ao conceito de instrução. Ela é o instrumento pelo qual se alcançam os objetivos da educação. Para Herbart, só o ignorante comete erros.
A instrução é o elemento central dos três procedimentos que, para Herbart, constituem a ação pedagógica. O primeiro é o que chamou de governo, ou seja, a manutenção da ordem pelo controle do comportamento da criança, uma atribuição inicialmente dos pais e depois dos professores. Trata-se de um conjunto de regras imposto de fora, com o objetivo de manter a criança ocupada. O segundo procedimento é a instrução educativa propriamente dita e seu motor é o interesse, que deve ser múltiplo, variado e harmonicamente repartido. O terceiro é a disciplina, que tem a função de preservar a vontade no caminho da virtude. Nessa etapa se fortalece a autodeterminação como pré-requisito da formação do caráter. Ao contrário do governo, consiste em um processo interno do aluno.
Muitas das contribuições de Herbart para a psicologia e a pedagogia continuam valiosas, mas seu pensamento e a prática que dele se originou no século XIX se tornaram ultrapassados, sobretudo com o aparecimento do movimento da escola ativa. Seu principal representante, o norte-americano John Dewey (1859-1952), fez duras críticas à doutrina herbartiana. A pedagogia contemporânea tornou o aluno sujeito do ensino e substituiu o individualismo do século XVIII por uma visão mais complexa dos fatores envolvidos no trabalho de ensinar. Hoje, admite-se no plano teórico que a mente humana é originalmente ativa, enquanto na prática, no Brasil, ainda se costuma despejar conhecimento sobre o aluno, como queria Herbart.


6. Friedrich Froebel - O educador das crianças pequenas

O alemão Friedrich Froebel (1782-1852) foi um dos primeiros educadores a considerar o início da infância como uma fase de importância decisiva na formação das pessoas - idéia hoje consagrada pela psicologia, ciência da qual foi precursor. Froebel viveu em uma época de mudança de concepções sobre as crianças (leia na página 60) e esteve à frente desse processo na área pedagógica, como fundador dos jardins-de-infância, para menores de 8 anos. O nome reflete um princípio que Froebel compartilhava com outros pensadores de seu tempo: o de que a criança é como uma planta em sua fase de formação, que exige cuidados periódicos para que cresça de modo saudável. Ele procurava na infância o elo que igualaria todos os homens, sua essência boa e divina ainda não corrompida pelo convívio social.
As técnicas utilizadas até hoje em Educação Infantil devem muito a Froebel. Para ele, as brincadeiras são o primeiro recurso no caminho rumo à aprendizagem. Não são apenas diversão, mas um modo de criar representações do mundo concreto com a finalidade de entendê-lo. Com base na observação das atividades dos pequenos com jogos e brinquedos, Froebel foi um dos primeiros pedagogos a falar em auto-educação, um conceito que só se difundiria no início do século 20, graças ao movimento da Escola Nova, de Maria Montessori (1870-1952) e Célestin Freinet (1896-1966), entre outros.
Por meio de brinquedos que desenvolveu depois de analisar crianças de diferentes idades, Froebel previu uma educação que ao mesmo tempo permite o treino de habilidades que elas já possuem e o surgimento de novas. Dessa forma seria possível aos alunos exteriorizar seu interior e interiorizar as novidades vindas de fora - um dos princípios do aprendizado, segundo o pensador.
Ao mesmo tempo que pensou sobre a prática escolar, ele se dedicou a criar um sistema filosófico para lhe dar sustentação. Para Froebel, a natureza era a manifestação de Deus no mundo terreno e expressava a unidade de todas as coisas. Da unidade absoluta em Deus decorria uma lei da unidade dos contrários. Isso tudo levava ao princípio de que a educação deveria trabalhar os conceitos de unidade e harmonia, pelos quais as crianças alcançariam a própria identidade e sua ligação com o eterno. A importância do autoconhecimento não se limitava à esfera individual, mas seria ainda um meio de tornar melhor a vida em sociedade.
Além do misticismo e da unidade, a natureza continha, de acordo com Froebel, um sistema de símbolos conferido por Deus. Era necessário desvendar tais símbolos para conhecer o que é o espírito divino e como ele se manifesta no mundo. A criança, segundo o educador, trazia também em si uma semente divina de tudo o que há de melhor no ser humano. Cabia à educação, a partir dos primeiros anos de vida, desenvolver esse germe e não deixar que se perdesse.
Froebel considerava a Educação Infantil indispensável para a formação da criança - e essa idéia foi aceita por grande parte dos teóricos da educação que vieram depois dele. O objetivo das atividades nos jardins-de-infância era possibilitar brincadeiras criativas. As atividades e o material escolar eram determinados de antemão, para oferecer o máximo de oportunidades de tirar proveito educativo da atividade lúdica. Froebel desenhou círculos, esferas, cubos e outros objetos que tinham por objetivo estimular o aprendizado. Eles eram feitos de material macio e manipulável, geralmente com partes desmontáveis. As brincadeiras eram acompanhadas de músicas, versos e dança. Os objetos criados por Froebel eram chamados de "dons" ou "presentes" e havia regras para usá-los, que precisariam ser dominadas para garantir o aproveitamento pedagógico. As brincadeiras previstas por Froebel eram, quase sempre, ao ar livre para que a turma interagisse com o ambiente. Todos os jogos que envolviam os 'dons' começavam com as pessoas formando círculos, movendo-se e cantando, pois assim conseguiam atingir a perfeita unidade. Para Froebel, era importante acostumar as crianças aos trabalhos manuais. A atividade dos sentidos e do corpo despertariam o germe do trabalho, que, segundo o educador alemão, seria uma imitação da criação do universo por Deus.
O caminho para isso seria deixar a criança livre para expressar seu interior e perseguir seus interesses. Froebel adotava, assim, a idéia contemporânea do "aprender a aprender". Para ele, a educação se desenvolve espontaneamente. Quanto mais ativa é a mente da criança, mais ela é receptiva a novos conhecimentos. O ponto de partida do ensino seriam os sentidos e o contato que eles criam com o mundo. Portanto, a educação teria como fundamento a percepção, da maneira como ela ocorre naturalmente nos pequenos. Isso não quer dizer que ele descartasse totalmente o ensino diretivo, visto como um recurso legítimo caso o aluno não apresentasse o desenvolvimento esperado. De modo geral, no entanto, sua pedagogia pode ser considerada como defensora da liberdade.
O educador acreditava que as crianças trazem consigo uma metodologia natural que as leva a aprender de acordo com seus interesses e por meio de atividade prática. Ele combatia o excesso de abstração da educação de seu tempo argumentando que ele afastava os alunos do aprendizado. Na primeira infância, dizia, o importante é trabalhar a percepção e a aquisição da linguagem. No período propriamente escolar, seria a vez de religião, ciências naturais, matemática, linguagem e artes.
Froebel defendia a educação sem imposições às crianças porque, segundo sua teoria, elas passam por diferentes estágios de capacidade de aprendizado, com características específicas, antecipando as idéias do suíço Jean Piaget (1896-1980). Froebel detectou três estágios: primeira infância, infância e idade escolar. Em seus escritos, ele demonstra como a brincadeira e a fala, observadas pelo adulto, permitem apreender o nível de desenvolvimento e a forma de relacionamento infantil com o mundo exterior.
Froebel não fez a separação entre religião e ensino, consagrada atualmente, mas via a educação como uma atividade em que escola e família caminham juntas, outra característica que o aproxima da prática contemporânea.
Duas tendências históricas são essenciais para a compreensão da obra de Froebel. Uma é a valorização da infância, que passou, entre os séculos XVIII e XIX, a ser encarada como uma fase da vida com particularidades bem marcantes e com duração longa (é dessa época também o surgimento do conceito de adolescência). Pouco antes, era comum meninos europeus de 7 anos entrarem para as Forças Armadas. Cerca de um século antes do nascimento de Froebel, tamanha era a mortalidade infantil que a infância não passava de um período de "teste" para candidatos a adultos.
Na Idade Média a idéia de infância simplesmente não existia: as crianças eram adultos à espera de adquirir a estatura "normal". Outra tendência histórica marcante do período em que Froebel viveu foi o individualismo burguês, simbolizado pela figura de Napoleão, que encarnava o ideal do homem que se fez sozinho e se tornou imperador da França.


QUESTÕES PARA REFLEXÃO

1. A maior contribuição de Comênio para a educação dos dias de hoje é a idéia de "trazer a realidade social para a sala de aula, fazendo uso dos meios tecnológicos mais avançados à disposição". De tão fascinado pela invenção da imprensa e pela possibilidade de disseminação de conhecimento que ela representava, Comênio criou a expressão "didacografia" para designar o método universal de ensino que ele pretendia inaugurar. Nos dias de hoje, a tecnologia da informação seria capaz de realizar essa revolução? Qual é sua opinião?

2. John Dewey criticou a teoria herbartiana dizendo que ela previa um "mestre todo-poderoso", encarregado de manipular os processos mentais do aluno por meio da instrução. Para Dewey e a maioria dos pedagogos do século 20, o pensamento de Herbart subestima e até ignora a ação do próprio aluno e sua capacidade de auto-educar-se. Mas não se pode negar que Herbart foi um dos pensadores que mais se interessaram pela psicologia do educando e o modo como ela influi em seu aprendizado. Você considera satisfatório seu conhecimento dos processos psíquicos das crianças em geral e de seus alunos em particular? Se acha que sim, de que modo pode utilizá-lo para aprimorar suas aulas?

3. Froebel chegou a suas conclusões sobre a psicologia infantil observando as brincadeiras e os jogos das crianças. Diante das atividades espontâneas de seus alunos, você já pensou que tem a oportunidade de entender a psicologia de cada um e também de depreender algumas características da faixa etária a que eles pertencem?

Um comentário:

here disse...

todos assuntos abordado tanto do iluminismo quanto os outros são assuntos interessantes e inteligentes que todo professor deve ou deveria saber.Com todo esse conteudo que vocês nos proporcionaram fica bem mais facil de aprender.obrigada.